terça-feira, 20 de dezembro de 2011

sobre a utopia do controle

nem bem sei mais porque eu ainda insisto, mesmo que inconscientemente, em ter, manter e conseguir controle sobre tudo o que acontece na minha vida. vira e mexe, mais frequentemente do que eu gostaria, a vida me mostra que não adianta muito planejar, que não adianta muito racionalizar, que não adianta ir com cautela, que o que tem que ser tem muita força, como me disse uma vez meu avô. quando em vez, a vida vem e me põe numa direção diametralmente oposta àquela que eu estava apontando.
2011 não foi - definitivamente - um ano fácil. me arrastei pelos primeiros meses, tive ilusões de melhora, acreditei que as coisas iam funcionar e, sempre, elas voltavam pra estaca zero, pro ponto morto. enquanto eu me agarrei a qualquer esperança que aparecesse, os dias de 2011 foram passando em câmera lenta, que é como a minha memória registra todo e qualquer tempo difícil que eu já tenha vivido: película de cinema, um slow motion em preto e branco.
acontece que eu sou do time da adélia prado: sou mulher, sou desdobrável, posso com cantigas tristes, minha tristeza não tem pedigree, enquanto minha vontade de alegria tem raiz no meu mil avô. e uma dia, como era pra acontecer, acordei sem querer mais ser feliz e decidi - volto a remar pro norte em breve. fiz planos, escolhi pontos geográficos, mandei cartas, e esperei o chamado. que veio, sim, mas chegou atrasado. chegou uma semana depois que a vida me tirou, pela milésima vez, do controle. chegou depois que eu, sem perceber, virei as costas e saí caminhando na direção contrária.
eu tive medo, é claro. pensei em desistir antes mesmo de começar. pensei em tudo de difícil que eu vivi aqui nesses últimos meses e na possibilidade de ficar por aqui e ter que conviver com algumas dessas coisas todas de novo. mas consegui vencer a inércia, a razão pulei de cabeça nesse precipício. em vez de cair, venho flutuando desde então: estou feliz de novo. integralmente.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

sim, recomecei a inventar projetos, sonhos, estórias que ainda não conseguiram sair da minha cabeça. em breve: tomara - por aqui.

domingo, 13 de novembro de 2011

fazia muito já que eu não tinha um sábado que se pudesse chamar sábado, uma sexta-feira decente o suficiente pra ser preenchida por algo a mais que o alívio do dia em que acaba o trabalho e começa o descanso. faz tempo que tenho todo o tempo do mundo pra descansar e quase nenhum pra me cansar com coisas mundanas, carnais, com pecados capitais de todos os tipos.
fazia muito que eu não procurava, feliz, um momento em que pudesse ficar só pra fazer coisas de mulherzinha ouvindo belchior e fagner, de touca na cabeça, o cabelo cheio de creme, uma máscara de pepino no rosto. faz muito que eu não ficava tranquila em dizer não pra uma das minhas crianças, que queria passar o fim-de-semana prolongado comigo.
tem sido bom não poder estar presente, tenho curtido cada momento de indisponibilidade que me cai no colo. e não, não vai ser assim o tempo todo, porque à medida em que a vida caminha, também as coisas, os sentimentos, as histórias se encaminham pr'um lugar de mais equilíbrio, de mais tranquilidade. por enquanto, todavia, me apetecem muito a pressa, a sexta-feira concorrida, as ligações não atendidas no celular, os emails a responder.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

a resposta que nunca vou dar

pois é. completo hoje, dia 15 de setembro de 2011, 14 meses de retorno ao brasil. muito, muito bom estar perto da família, estabelecer rotinas de convivência, fazer parte, ajudar, ser ajudada. muito bom o abraço sem pressa, o beijo repetido, os gestos que, por serem possíveis de forma regular, vão se internalizando, são realizados quase tão naturalmente quanto respirar. não vou dizer que fortaleza seja uma cidade ruim, ando evitando juízos de valor e dizer que fortaleza é ruim e atribuir um valor que eu não quero a essa cidade que é minha, apesar de me fazer sentir infinitamente estrangeira. fortaleza, entretanto, não tem sido uma experiência prazeirosa para mim. um ano e dois meses depois, minha relação com a cidade ainda é marcada por uma certa irritação, pela sensação de que eu não compreendo a cidade. e, sobretudo, pela sensação de uma grande ausência de pertença. não me sinto parte desse lugar, como já me senti parte de outros lugares onde morei. antes, pertenço aos meus e isso, esse sentimento de pertencer a eles subverte a geografia e é possível onde quer que estejamos, qualquer lugar que permita o encontro.
no começo, logo que cheguei, apesar de todas as dificuldades, eu sentia que valia a pena estar aqui, que chegaria o dia em que tudo voltaria ao eixo. eu teria uma trabalho que, de qualquer forma que fosse, me satisfizesse, teria uma história com a cidade, amigos, e assim um lugar que me coubesse por estas bandas. explorei algumas possibilidades, fiz o que eu pude. mas não, não passei mesmo por cima dos meus princípios e valores, algo muito importante pra mim. não fiz nada que eu achasse desonesto ou que me constrangesse. sei que não fiz o suficiente pra me estabelecer por aqui - sei disso melhor que ninguém. mas sei também que fiz o que pude e isso me basta, mesmo que não baste aos outros. ao longo desses 14 meses, fui me cansando, minha confiança foi murchando, minha energia foi se exaurindo e, à medida em que mais portas foram se fechando, fui vendo minha gama de possibilidades reduzir-se quase a zero.
tenho sido, mesmo que veladamente, acusada de não ter tentado o suficiente. de não ter feito absolutamente tudo o que podia ser feito. sei que quem diz isso sente, assim como eu, uma certa frustração. sei que quem diz isso o faz por amor. mas só eu sei onde o calo me dói, qualquer que seja o acontecimento em minha vida, sou eu que arco com as consequências. só eu sei como eu durmo e acordo, só eu sei o gosto do que saboreei por aqui. só eu. só eu sei o quanto me custaria usar de determinados recursos pra fazer as coisas aqui caminharem de maneira diferente. então, só eu posso decidir o que vou fazer. ou não, como diria o caetano.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

setembro

para mim e para os meus, setembro reinaugura saudades. elas completam anos, renovam ciclos e, num eterno modificar-se, perduram em cada um de nós. em uns, é maior, mais intensa, mais latejante. em outros, é menor, menos diária. mas é igualmente saudade em todos nós, porque sabemos que nunca mais seremos nós completos.
lembrei-em hoje, num banho de mar de homenagem à saudade, que mia couto um dia escreveu:
"Cruzo o rio, é já quase noite. Vejo este poente como o desbotar do último sol. A voz antiga do Avô parece dizer-me: depois deste poente não haverá mais dia. E o gesto gasto de Mariano aponta o horizonte: ali onde se afunda o astro é o mpela djambo, o umbigo celeste. A cicatriz tão londe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais pára de morrer."
Mia Couto em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

agosto chegou aqui na cidade que se diz forte. trouxe consigo o vento que eu não conhecia, que uiva nas minhas janelas, que carrega a maresia grudenta que meus pés acabam de espalhar por aí. trouxe também uma melancolia dura, às vezes amarga, às vezes infinita.
dei de ler adélia prado, ouvir músicas tristes.

Estreito
Agosto, agosto
os torrões estão leves,
ao menor toque se desmancham em pó.
Estrela de agosto,
baça.
Céu que se adensa,
vento.
Papéis no redemoinho levantados,
esta sede excessiva
e ciscos.
Um homem cava um fosso no quintal,
uma idéia má estremece as paredes.
Adélia Prado

domingo, 21 de agosto de 2011

eu achava que era só no norte. meu outro norte, o inventado. eu achava que era a geografia o problema e, portanto, fácil de resolver. não, eu não era mais só no outro norte que eu sou aqui, no meu norte de direito. depois de um ano aqui nessas paragens onde não caibo, posso dizer: sei o que é solidão.

"De vez em quando Deus me tira a poesia
Olho pedra, vejo pedra mesmo.
O mundo, cheio de departamentos,
não é a bola bonita caminhando solta no espaço.
Eu fico feia, olhando espelhos com provocação,
batendo a escova com força no cabelos,
sujeita a presságios.
Viro péssima cristã."

Adélia Prado (trecho do poema Paixão)

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

novos ventos

fortaleza não é o pior lugar do mundo, muito menos é uma cidade ruim de se viver. é, simplesmente, um lugar onde não me sinto completamente em casa, onde eu não me encaixo perfeitamente. apesar de ser o lugar de diversas das minhas memórias afetivas, sobretudo aquelas ligadas à família. talvez por isso, passar uns dias fora de fortaleza me fez um bem grande. foi importante, naquele momento, experimentar um pouco do brasil que não é fortaleza, não é ceará. que ainda tem diversos dos problemas e questões que me afligem aqui, mas que também conta diferenças acalentadoras. observar um pouco do brasil fora daqui me fez voltar com uma sensação boa de que há pra onde fugir na hora em que eu estiver pronta. agora, ainda não é a hora.
voltei com uma sensação muito forte de que, em algum momento, quando eu menos esperar, um caminho se apresentará e eu só precisarei segui-lo. esse é um tema recorrente em minha vida: lutar, batalhar, ir atrás com todas as forças de algo que não aparece, que não acontece, que não se materializa. e, assim como num passe de mágica, no momento em que eu relaxo, em que a tranquilidade finalmente chega a mim, algo que eu nem ousei desejar de tão bom aparece, se concretiza, materializa e eu ganho um caminho a seguir. (porque eu gosto de seguir na vida por caminhos.) tenho aprendido a ouvir minha voz interna, seguir minhas intuições. entrego-me então a essa intuição de que tudo vai se resolver, que o caminho vai aparecer e que tudo volta pro eixo em algum momento, mais cedo ou mais tarde.
enquanto isso, saboreio a vida perto do mar, do vento do mar, da maresia que gruda no chão de casa, nas roupas secando no varal, em cima da geladeira. aproveito o sol do trópico em banhos de mar matinais e a brisa fresca em caminhadas noturnas. voltei a cozinhar - pra mim e pros meus. e isso só pode ser sinal de que bons, novos ventos soprarão por aqui.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"na terra em que o mar não bate
não bate o meu coração
o mar, onde o céu flutua
onde morrem o sol e a lua
e acaba o caminho do chão..."

letra de caetano veloso, musicada por gilberto gil

sábado, 2 de julho de 2011

todo o bem que eu fizer

se você me fizer algum bem, um favor, uma gentileza, espero, do fundo do meu coração, que você o faça porque me quer bem, porque me julgou merecedora, porque teve vontade. espero, sinceramente, que você saiba que não me deve nada e, portanto, não tem que me fazer algum bem, um favor, uma gentileza. eu também, quando for fazer algum bem a você, um favor, uma gentileza ou qualquer outro gesto, vou fazê-lo porque te quero bem, porque quero te ajudar, porque te julgo merecedor, porque me deu vontade. nunca porque eu ache que te devo algo e me sinta obrigada a retribuir. e porque é de coração aberto que eu te dou algo de mim, não preciso esperar que você me dê algo em troca, não vou te cobrar ou lembrar anos depois quando você, por um motivo qualquer, me disser um não.
não me sentir devedora, entretanto, não significa que eu não sinta gratidão. não significa que eu me esqueça das bondades (muitas) que recebo pela vida. lembro-me de todas, guardo-as comigo e as uso como inspiração. mas todo o bem que eu te fizer, tenha a mais absoluta certeza, não foi movido pelo sentido de pagar a dívida e, sim, pela minha mais genuina vontade de fazê-lo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

eu não sou daqui, marinheiro só

mais do que ignorar e seguir adiante como se não fosse comigo, a hostilidade de fortaleza me magoa, me dói fundo, me entristece. pensei que fosse me acostumar e, talvez até passar a fazer igual, como vejo muitos dos meus fazerem. mas não, ao invés disso, volto pra casa diariamente chateada porque a moça do supermercado não me respondeu o boa tarde, o carro atrás de mim buzinou porque eu deixei que um pedestre atravessasse a rua ou qualquer outra gentileza que eu tenha tentado fazer, sempre recebida pelos outros com impaciência, desconfiança ou algum outro tipo de irritação. por aqui, vamos na contramão do mundo, onde se tenta interagir mais, criar comunidades, viver de maneira o mais comunal possível. busca-se, por aí, o pessoal e íntimo - como saber de que chão saíram o pepino e o tomate que você comeu na salada do almoço, como ajudar a pintar a escola do seu filho, como se juntar pra bater fotografia junto, como usar o espaço da associação de moradores da cidade ou do bairro pra ensaiar o coral. e como mais um monte de outros exemplos e histórias que eu vivi e trago comigo.
queria me sentir capaz de multiplicar esse efeito, queria me sentir responsável também pela modificação, ainda que incipiente, da forma como se estabelecem as relações sociais entre estranhos nessa cidade que eu, afinal de contas, escolhi pra mim. queria concordar com um primo que me disse que aqui ainda se tem mais a fazer que lá, que os desafios são maiores, mais instigantes e que eu tenho mais a contribuir aqui que lá. nunca senti falta de ideais lá, nunca senti que havia pouco a fazer e nunca deixei de me sentir instigada pelos desafios - diferentes dos daqui, é claro - que apareciam no meu caminho.
na verdade, sinto como se aqui não houvessem desafios pra mim. ou melhor, como se o desafio maior aqui seja interno, pessoal, tão só meu. pouco posso contribuir, há pouco pr'eu fazer aqui simplesmente porque eu não sinto a pertença. ainda me sinto, às vesperas de fazer um ano da minha chegada, como se fosse estrangeira nessa terra que abrigou meus antepassados e que eu pensei ser minha também. eu sempre soube que não tinha raízes e, portanto, poderia me fixar em qualquer lugar que quisesse. e nunca, em nenhum dos lugares por onde andei, me senti tão forasteira.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

quando o outro capta exatamente o que está por dentro, quando as palavras de outra pessoa poderiam perfeitamente ter sido minhas:

For last year's words belong to last year's language
And next year's words await another voice
And to make an end is to make a beginning...
T. S. Elliot

domingo, 15 de maio de 2011

dia d

é importante ter um plano, uma rota de fuga, uma via de escape. é importante que o plano seja flexível o suficiente pra não te engolir, pra não ser maior que você e virar, assim, um calabouço. é importante ter certeza de que o plano é seu, nasceu das entranhas da sua cabeça e de lá só sai se você quiser. e sai, na horinha mesma que você decidir. só você pode mexer, rearrumar, modificar, adiar, e mesmo desistir de algo que você concebeu.
eu tenho um plano, pretendo que ele seja um caminho pra que eu seja feliz. ele é meu, nasceu da minha cabeça, durante uma espera de 3 horas e meia (para abrir uma conta no banco) em que eu decidi que não ia me chatear, que não ia deixar que tudo o que tem acontecido de errado desde que eu me mudei para o brasil me desviasse do caminho que eu quero trilhar. nesse dia, no meio de uma espera que poderia ser só mais uma frustração, tracei os detalhes da minha rota de fuga, pro caso de tudo continuar do jeito que está agora, pro caso de eu continuar a sentir que não pertenço a este lugar.
o dia seguinte amanheceu azul apesar da chuva, nossa companheira constante nesses últimos meses na cidade que se diz do sol. e nem os buracos multiplicados por aí, nem a rudeza das pessoas no trato com o outro, nem a pressa eterna de quem divide comigo a cidade, nem as buzinas que eu levo o tempo todo porque não dirijo como a maioria me tiraram do sério ou acinzentaram o dia azul que eu tinha só pra mim. desde então, os dias têm sido mais azuis, a temperatura tem sido mais amena, e até a cidade tem me parecido mais bonita. não, as coisas não melhoraram. quem melhorou fui eu e isso faz, sim, toda a diferença.
eu posso até não viver aqui pro resto da minha vida. mas, enquanto eu por aqui estiver, vou estar inteira. essa sou eu.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

fitting

i don't fit here. that's what a realize every single day as i try to work through the system, to work with the people, to work through life as it is here in this country. i don't fit as i drive, walk, say i'm sorry and excuse me, please and thank you or even as i say good evening to the lady that opens the door every monday and weds when i arrive at the place where i take my pilates lessons. she never replies to me, she never even looks at me. and, before i'm misjudged by the previous statement, i should say that i understand the context, i understand that i'm probably the only person who looks at her, who sees her behind the desk next to the door and who acknowledges her presence. i do understand the context of many of the things i see and deal with on a daily basis. i do. but that doesn't help me accept what happens as naturally as most here do. and then, once again, i realize: i don't fit here.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

285 anos

fortaleza nasceu pra mim há trinta e poucos anos, bem na época em que eu começava a me entender por gente e aprendi que fortaleza, além de ser a terra da família da minha mãe, era a terra onde eu passava férias. nessa época fortaleza tinha pés de jambo e de carambola pelas ruas do bairro que uma dia havia sido a fazenda do meu bisavó, a estância. fortaleza pra mim era principalmente esse bairro, onde moravam meus avós, tios, primos. a gente zanzava de uma casa pra outra, exercitando a imaginação, criando brincadeiras, aprontando o que a gente podia. dessa época, lembro com clareza de quão agradável era a cidade, de árvores, de praia limpa e segura. podíamos andar na cidade! havia calçada onde pisar, o trânsito não era tão caótico e a gente não se sentia na iminência de um assalto o tempo inteiro.
é dessa época uma das minhas lembranças mais antigas, da minha avó abrindo o portão da casa da joaquim nabuco para que meu pai entrasse com o carro, a gente acabando de chegar de salvador, depois de muitas horas de estrada. foi também nessa época que eu me perdi, voltando da casa da minha tia para a da minha avó, e fui levada para o canal dez por um estranho que me achou sentada no meio-fio, chorando por estar perdida. e eu fiquei - e lembro disso - numa sala que tinha monitores de televisão do chão ao teto, enquanto esperava que alguém fosse me buscar. e como a família quase toda morava por ali, choveu gente pra me buscar e me levar de volta pra minha mãe lívida e assustada.
hoje, fortaleza completa 285 anos. e não tem mais as árvores, as calçadas, a praia limpa. a cidade não é mais pra pedestres, mas também não é agradável aos carros, que trafegam entre buzinas, buracos e todos os tipos de infração. a cidade hoje tem mais edifícios que casas. não se vê o mar, porque o paredão de prédios permite, quando muito, uma faixa estreita de verde. mas, de tudo, o que mais me intriga é o fato de que a cidade é feita por pessoas, mas não é agradável às pessoas. nós, o moradores da cidade conseguimos construir uma cidade anti-pessoa. que não permite convivência, onde não há praças, onde é cada um por si e ponto final. que vai, aos poucos, perdendo um tanto de sua beleza, de suas possibilidades de interação, de conhecer não somente os vizinhos, mas também quem mora no outro quarteirão, do outro lado da rua, no prédio ao lado.
ainda procuro a beleza da cidade que há algumas gerações acolhe os meus. e que me acolheu há uns meses, com seu modo impessoal e apressado. tento achar algo que me agrade, que me permita ver música, poesia, pintura no asfalto, no concreto, no barro. talvez eu precisa ainda me abrir para a cidade, internalizá-la como se aqui eu tivesse morado toda a vida, aceitá-la como ela é. talvez me falte ainda gostar, apesar de questionar. e lutar pra que ela volte a ser agradável como nas minhas lembranças.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

run, baby, run

"agora, você reza pra chegar aqui a tempo" - foi o que eu ouvi umas poucas horas atrás, de uma funcionária de uma órgão público federal brasileiro que, segundo muitos conhecidos, é dos poucos que funcionam direito. e enquanto ela proferia as palavras acima, tudo o que meu cérebro me mandava fazer era: run, baby, run! desde sexta-feira a minha vontade é essa. é correr pro aeroporto, é pegar o primeiro vôo que ultrapasse as fronteiras em direção ao norte que me leve a um lugar onde as coisas funcionem, onde eu volte a ser uma profissional competente, onde exista ordem, onde eu saiba o que preciso fazer pra que (quase) tudo corra tranquilo, onde eu possa andar sem medo de assalto, onde eu não sinta na boca o gosto dessa frustração eterna que me persegue já há alguns meses.
quem passar por último, que apague a luz!

terça-feira, 5 de abril de 2011

de verdade

nos últimos dois meses, só tenho tido vontade de sair, fugir, ir embora, deixar pra trás. é minha cabeça que impede que a vontade vire ação, que eu compre a passagem de avião com que eu sonho dia sim, dia não e concretize as idéias mirabolantes que povoam meus pensamentos bem na hora em que, ao deitar, as luzes se apagam e eu fico só com os meus botões. há também, uma senhora de quase noventa e dois anos que quer muito que eu seja feliz, três crianças que querem que eu fique, uma casa logo depois de baturité (de onde guardo as melhores lembranças infantis) e o mar da virgem, que me banha de vez em quando.
eu ainda sorrio. mesmo quando a insatisfação exala de quase todos os meus poros, eu não desaprendo a sorrir. eu ainda olho pra frente, sigo, acordo cedo nos dias de semana. planejo atividades de trabalho, de um trabalho que vai acontecer por minha conta e risco, porque não há estrutura por aqui. porque não se pode ter uma mesa na instituição, porque não há verba e todos querem que você dê um pouco mais.
sorrir não impede que eu me decepcione diariamente com a sétima potência econômica do mundo. o país moldado pelo menino do interior de pernambuco que virou sindicalista e depois presidente não me convence, não instiga a paixão que me faria trabalhar por ele em qualquer condição que fosse.
guardo com zelo um livrinho de capa azul, que cabe em qualquer bolsa, que já me levou para outros países e foi meu passe de entrada. ele está escrito numa língua que não é minha, cita o local de nascimento com o qual tenho pouca relação. mas ah! como eu guardo aquele livrinho, como eu sorvo, a cada vez que abro aquela gaveta, o cheiro da possibilidade de ir e não voltar nunca mais, não me sentir pequena nunca mais, nunca mais achar que eu não vou conseguir. ele, o livrinho, e os aviões estacionados no pinto martins me inspiram nos dias mais abafados. não pelo calor da região - ao calor eu me acostumei rápido - mas por essa eterna sensação de quem sabe um dia.

sábado, 29 de janeiro de 2011

deus e o diabo na terra do sol

as águas das chuvas expõem as feridas abertas da cidade do sol. crateras em constante crescimento. olhamos todos, abobalhados, inertes, ao espetáculo de um "inverno" rigoroso numa região que se acostumou a lidar com secas longas mas nunca soube o que fazer de muita chuva. talvez haja, no inconsciente coletivo de todos, a crença de que o deus sol que nunca nos faltou vá resolver todos os problemas, tapar todos os buracos, curar todas as feridas.
ninguém mais espera grande coisa do poder público num município em que a prefeita completou seis anos de governo com pouco feito nesse sentido. a cidade dela é suja, de asfalto irregular e esburacado, de trânsito caótico, de pessoas infinitamente mal educadas. tampouco é a sociedade civil capaz de se organizar para fazer, mais que cobrar. o que sabemos fazer mesmo é sentar numa mesa de bar e conjecturar. ali, somos todos especialistas, sabemos extamente o que deve ser feito pra resolver os problemas, citamos até números, estatísticas, dados do ibge. alguns até exageram na eloquência do discurso, bradam teorias a quem queira ouvir, sabem mais que qualquer outro.
o que tenho visto, nesses seis meses de brasil, é que os que mais falam, menos fazem. ando fugindo desse tipo de gente: que sabe de tudo, que entende de tudo, de economia à matriz energética do brasil, de história aos benefícios do açaí. que discursa sempre que tem oportunidade, que reclama o tempo todo de tudo e de todos. que está sempre com olhar de crítica pra tudo. são esses que eu vejo por aí a ultrapassar em local proibido, a cortar pelo acostamento no engarrafamento, a jogar lixo na rua, a trafegar na contramão. e se você lhes chama a atenção para o que fazem, eles têm sempre uma desculpa, uma explicação, uma justificativa. seguem acreditando que a contramão deles é melhor que a dos outros, que o papel que deixaram cair na rua era bem pequenininho, que eles só passaram pelo acostamento no engarrafamento porque estavam com muita pressa. a carapuça nunca lhes cai.
sim, estou em crise com meu país. estou no brasil por livre e espontânea vontade e não quero ir embora, mas gostaria de ver aqui alguma promessa de melhora no lugar dessa sensação de que está tudo pior a cada dia. confesso que ainda penso no aeroporto como uma saída e guardo com zelo meu outro passaporte; pode ser que ele, uma dia, volte a me ser útil. a economia melhorou, o poder aquisitivo aumentou. mas nós, as pessoas, continuamos abandonadas. por nós mesmos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

regresso

E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

Sophia de Mello Breyner

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numa noite cálida, a cinco graus de latitudo Sul, ele me fez uma promessa pro futuro.
não, eu disse. muito obrigada, mas não, eu não aceito. ando querendo promessas para o presente, cansada do futuro que não chega nunca. basta já a felicidade, promessa que diz haver o dia de chegar e, entretanto, conjugada por aqui quase sempre no passado. contento-me com ela. ter um só esperar já me é suficiente.

sábado, 8 de janeiro de 2011

o mar e outros tesouros

meus últimos meses foram assim: um dia após o outro, com uma noite no meio, num exercício da paciência que eu não tenho. ouço diversas vezes, de diversas pessoas: que é assim mesmo, que o momento mais difícil é esse mesmo, que readaptar-se não é fácil, que isso, que aquilo e mais um monte de coisa que não me serve muito de consolo. mas caminhar na vida é assim, e, se tem uma coisa que eu já aprendi nessa caminhada é que não há mal que sempre dure. um dia, essa fase ruim vai passar as coisas entrarão nos eixos como se nunca de lá tivessem saído.
apesar de tudo, sigo a colecionar tesouros em várias texturas e formatos. o mar de águas cálidas da terra de meus antepassados me recebe constantemente para banhos de sossego e paz. apesar de a praia estar quase sempre mais cheia do que eu gostaria, quando estou ali dentro consigo me desligar e me deixar levar, pra pulsar no mesmo ritmo das ondas. três crianças aparecem constantemente pra colorir meus dias, me chamam de tia, me amam como eu nem sei se mereço. toda vez que estão por perto - o grupo inteiro ou em pedaços - me pego a pensar que não posso, de jeito algum, ir pra longe deles. a possibilidade de conviver quase no dia-a-dia nos ensinou a dizer tchau sem sofrer, e, ainda assim, aproveitar qualquer cinco minutos com intensidade.
minha família, que me atura até mesmo quando, de tão chata, nem eu me aguento, converge pra cá. de tempos em tempos, nos encontramos pro exercício de amor que é a nossa convivência; esse é mais um tesouro que me bate à porta de tempos em tempos. poder conviver com eles, com os que moram aqui e com os que por aqui pousam de vez em quando é o que eu mais buscava nessa mudança e, posso dizer, encontrei mais amor neles do que eu julgava haver. sei - sinto - que sou amada.
além de tudo isso, há os pequenos tesouros do dia-a-dia, aqueles que fazem a felicidade de verdade, do tipo que se pode sentir em qualquer canto do mundo e carregar pra todo e qualquer lugar. um sorvete no juarez, receber uma ligação da minha avó pedindo um favor, a flores da Serraninha num fim-de-semana... ontem, voltando da casa da ritinha, depois de algumas horas de carinho sem fim, me senti feliz. eu sabia de onde vinha minha felicidade. sei que ela pode se repetir a qualquer momento. é só esticar a mão, alcançar o telefone, discar uns poucos números. esperar que atendam. e chegar. simples assim - como a vida, como tudo o que pode durar pra sempre.