quarta-feira, 13 de abril de 2011

285 anos

fortaleza nasceu pra mim há trinta e poucos anos, bem na época em que eu começava a me entender por gente e aprendi que fortaleza, além de ser a terra da família da minha mãe, era a terra onde eu passava férias. nessa época fortaleza tinha pés de jambo e de carambola pelas ruas do bairro que uma dia havia sido a fazenda do meu bisavó, a estância. fortaleza pra mim era principalmente esse bairro, onde moravam meus avós, tios, primos. a gente zanzava de uma casa pra outra, exercitando a imaginação, criando brincadeiras, aprontando o que a gente podia. dessa época, lembro com clareza de quão agradável era a cidade, de árvores, de praia limpa e segura. podíamos andar na cidade! havia calçada onde pisar, o trânsito não era tão caótico e a gente não se sentia na iminência de um assalto o tempo inteiro.
é dessa época uma das minhas lembranças mais antigas, da minha avó abrindo o portão da casa da joaquim nabuco para que meu pai entrasse com o carro, a gente acabando de chegar de salvador, depois de muitas horas de estrada. foi também nessa época que eu me perdi, voltando da casa da minha tia para a da minha avó, e fui levada para o canal dez por um estranho que me achou sentada no meio-fio, chorando por estar perdida. e eu fiquei - e lembro disso - numa sala que tinha monitores de televisão do chão ao teto, enquanto esperava que alguém fosse me buscar. e como a família quase toda morava por ali, choveu gente pra me buscar e me levar de volta pra minha mãe lívida e assustada.
hoje, fortaleza completa 285 anos. e não tem mais as árvores, as calçadas, a praia limpa. a cidade não é mais pra pedestres, mas também não é agradável aos carros, que trafegam entre buzinas, buracos e todos os tipos de infração. a cidade hoje tem mais edifícios que casas. não se vê o mar, porque o paredão de prédios permite, quando muito, uma faixa estreita de verde. mas, de tudo, o que mais me intriga é o fato de que a cidade é feita por pessoas, mas não é agradável às pessoas. nós, o moradores da cidade conseguimos construir uma cidade anti-pessoa. que não permite convivência, onde não há praças, onde é cada um por si e ponto final. que vai, aos poucos, perdendo um tanto de sua beleza, de suas possibilidades de interação, de conhecer não somente os vizinhos, mas também quem mora no outro quarteirão, do outro lado da rua, no prédio ao lado.
ainda procuro a beleza da cidade que há algumas gerações acolhe os meus. e que me acolheu há uns meses, com seu modo impessoal e apressado. tento achar algo que me agrade, que me permita ver música, poesia, pintura no asfalto, no concreto, no barro. talvez eu precisa ainda me abrir para a cidade, internalizá-la como se aqui eu tivesse morado toda a vida, aceitá-la como ela é. talvez me falte ainda gostar, apesar de questionar. e lutar pra que ela volte a ser agradável como nas minhas lembranças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário