sexta-feira, 26 de novembro de 2010

sobre todas as coisas

quase todas as minhas possessões materiais encontram-se, neste exato momento, dentro de caixas, num armazém empoeirado no porto de santos, esperando pra etapa final de um longo trajeto entre o porto de boston e fortaleza. já foram liberadas pela alfândega e, agora, esperam o momento de pegar a estrada pra chegar até onde estou. tem sido um exercício de desapego, já que gosto das minhas coisas perto de mim, mesmo sabendo exatamento qual o valor delas na minha vida. (entre as coisas e as pessoas, eu fico sempre com as pessoas)
começo, depois de quase quatro meses, a sentir falta. ando querendo meus livros de poesia, amontoados entre o banheiro e a cabeceira da minha cama, ando querendo escutar um disco e cantar, acompanhando as letras pelo encarte do cd. ando querendo meus discos, meus livros e nada mais.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

eu não sou da sua rua

em quinze anos fora de casa, longe dos meus, aprendi a sentir saudade. o que no começo vinha como dor, como agonia que não passa porque só pode terminar com a proximidade, se transformou em sentimento mais sereno, em algo que se pode diminuir com o telefone, o skype e qualquer outra ferramenta tecnológica que possibilite o contato à distância. aprendi a contar os dias até matar a saudade, aprendi a viver com ela todo dia um pouco, como só as coisas rotineiras podem ser. aprendi que, muito mais que ausência, saudade é presença. saudade é ter alguém, é ter porto seguro, é ter um norte pra onde se pode rumar a qualquer momento.
nos últimos quinze anos, minha saudade se multiplicou. passei a sentir saudades, que se apresentavam absolutamente diferentes umas das outras. consegui, com o tempo, identificar cada uma delas, como se elas tivessem nome. não foi somente porque a vida levou alguns pra longe. não foi só porque alguns de nós já não mais podem nos abraçar - nem mesmo quando o magote todo se reune pro natal ou pra já tradicional viagem ao logradouro entre o natal e o ano novo. é porque saudade é pessoal e instranferível, cada saudade tem em si o nome da pessoa escrito e adquire assim características próprias. cada saudade é uma entidade.
nunca cansei de sentir saudade. como poderia, se foi ela minha companheira em muitos momentos? como poderia cansar-me dela, se era ela quem me lembrava de onde eu sou, onde estão minhas raízes? sentir saudade me fez entender que, por ter raízes tão profundamente fincadas na terra dos meus, eu pude sair. busquei outros mundos, outras histórias, vivi outras culturas única e exclusivamente porque eu sabia que tinha pra onde voltar.
e voltei. voltei pra onde vários dos meus nasceram e cresceram. voltei pra onde estão minhas raízes, enredadas no solo, trançadas com outras raízes. e trouxe comigo pedaços do mundo por onde andei, onde também, sem saber, deixei fincadas algumas raízes. mas voltar não é fácil e eu tenho acordado me sentindo estrangeira numa terra que deveria ser minha. numa terra onde eu deveria me sentir em casa. sou um peixe de mar nadando em água de rio, sentindo falta da salinidade. mas do que contar os dias pra matar a saudade, conto agora os dias pra que minha rua vai seja minha de fato, pra que eu tome posse do que é meu e consiga absover água da terra através de minhas, tão profundas, raízes.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

um sol que não combina

deve haver um porquê, um motivo pra se acordar um dia se sentindo sem lugar no mundo. deve haver um porquê pra alguém que é confortável consigo próprio uma dia acordar e não se sentir bem dentro da própria pele. deve existir uma função pra trizteza, pra melancolia, pra dor de dentro, pra o que não se diz com palavras. deve haver um porquê de, em algum momento, parecer que você é invisível, que os outros olham e não te enxergam e parecem passar por cima de você como se você fosse só mais um pedra do calçamento.
hoje foi um dia que não combinou com o sol brilhando num céu azul de brigadeiro. devia estar chovendo, eu pensei ao acordar. queria um dia cinza, queria nuvens de chumbo no céu, porque aí, sim, o céu combinaria com o que tenho por dentro. pesaríamos eu e elas, as nuvens, e talvez eu sentisse como se alguma coisa nesse lugar combina comigo, como se eu estivesse no lugar certo. eu queria hoje fosse só o primeiro dia de uma primavera ao avesso, queria que tudo virasse botão e fosse involuindo até se dissolver e não haver mais nada. toda matéria desaparecida em poucos segundos. e pra sempre: o nada.
fiz planos que não deram certo, olhei pra uns com olhos de súplica. mas nada adiantou hoje, nada funcionou, a comida não teve gosto, o chocolate não trouxe alento, o banho não refrescou, o perfume não tinha cheiro. no prédio da frente, crianças brincavam e o barulho que elas faziam, normalmente agradável, parecia ensurdecer, machucar, chegar nas entranhas rasgando, latejando. talvez dormir seja a única solução, pra desaparecer entre muitos lençóis e acordar daqui a uns dois anos, quando tudo tenha se transformado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

sob o prisma de uma criança

as crianças da minha vida me explicam sobre o mundo. eu procuro ficar atenta, quero, sim, entender o mundo sob o prisma deles.
ontem, uma dessas crianças, do alto de seus 4 anos, me explica:
- tia mari, o serra perdeu e agora ele não existe mais. agora, só existe a dilma, porque ela ganhou.
é sim, meu amor, bem assim do jeitinho que vc me explicou. quem dera esse monte de gente recalcada que, passadas as eleições, continua brigando, se agredindo, inventando loucas teorias da conspiração entendesse que, agora, independente de cada escolha individual, só existe a dilma - ela é nossa presidente eleita e ponto. e, mesmo quem não gosta dela, deve respeitá-la e torcer para que ela faça o que há de melhor pro brasil. torcer pra ela não ser uma boa presidente pra depois poder dizer "eu te disse" é coisa de gente ruim da cabeça. pensar em separar o brasil porque, supostamente, dilma foi eleita por somente algumas partes do país é negar os números (pra não falar em burrice). agora, aproveitar esse momento pra liberar e expressar seus preconceitos latentes, pra mim, já é caso de polícia.
que todos entendam, com a simplicidade das crianças, que a democracia nos deu a chance de ir às urnas e decidir quem vai nos governar. uma eleição é uma consulta ao povo e prevalece a vontade da maioria. passada a eleição, temos uma presidente eleita somente. e ela é de todos nós.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

dois bilhetes: felicidade miúda


dois representantes da próxima geração, brincando com o itunes da tia, ouvindo música. passamos assim, eu e elas duas, uma noite todinha até a hora que elas reclamaram do sono, do cansaço. (os hits da noite: joão e maria e a banda - do chico buarque, e eu nasci a dez mil anos atrás e cowboy fora da lei, do raul seixas). era hora de contar história, de dormir e sonhar. pediram-me que ficasse no quarto até que elas dormissem. e assim eu o fiz, velando aquele sono precioso. éramos só eu e elas, a música, a história e o sonho.
no dia seguinte, de manhã: elas duas sozinhas no quarto, eu não posso entrar. entre risos, existe um segredo que eu, a tia, não posso ver. até mais tarde, quando encontro sobre a cama, dois bilhetes - cada um de autoria de cada uma. tudo era especial sobre aqueles bilhetes: a letra irregular típica de quem escreve faz pouco, os deliciosos erros de português que a gente vai lembrar pro resto da vida com orgulho e, sobretudo, o tema. era de amor que aqueles dois bilhetes falavam. era o amor que aqueles bilhetes celebravam e, nas entrelinhas, exalavam a confiança, o respeito e a amizade sincera que eu cultivo com elas dia após dia.
deixei os dois bilhetes num lugar bem à vista, posso vê-los sempre. e agora ainda, alguns dias depois que os recebi, eles me falam ainda mais. me falam da felicidade miúda que é a possibilidade de fazer parte, de estar perto. miúda essa felicidade porque vem com calma, não causa sobressaltos, não gera arroubos. vem como onda em tempo de maré baixa, chega de mansinho, vai entrando lentamente pelos poros todos. e fica. permanece. perpetua-se em mil outros motivos pra sorrir, pra amar, pra ser ainda mais feliz.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ainda sobre a pressa

a cidade me impressiona pela pressa eterna. não somente a pressa dos que vão de carro, maioria entre os que eu conheço bem de perto, mas também a pressa dos que vão a pé, dos que pegam ônibus, dos que esperam a mala à beira da esteira no aeroporto. e que também inclui o menino que corre pra entrar na loja antes de quem vem na mesma direção ou a moça que pisa no seu pé pra chegar logo do outro lado da rua. se fosse só a pressa de chegar, talvez eu já tivesse até me acostumado. mas a pressa, essa entidade onipotente e onipresente nas bandas de cá, entra pelos poros e contamina as histórias, as relações entre as pessoas. ninguém parece disposto a se deixar conhecer - e a tentar conhecer também - sem pressa, com calma, deixando que as coisas aconteçam naturalmente, como nos clichês mais bem-vindos desse mundo. parece todo mundo estar a correr contra o tempo, pra chegar logo em algum lugar que, garanto, nem eles sabem qual é. como se a gente pudesse, correndo pra fazer as coisas acontecerem o quanto antes, forjar o sentimento, o toque e as sensações todas que conhecer e se deixar conhecer no propiciam.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

momento

entre uma mudança e outra da vida, minha única decisão constante, irrevogável, é a de ser feliz. não precisa ser felicidade grande, não preciso de arroubos loucos e intensos. pode ser uma felicidade comum, dessas a que a gente sempre se refere no diminutivo. um jantarzinho, um encontrinho, beijinhos e carinho sem ter fim. mas mudar não é fácil e, embora eu esteja sempre guiada pela decisão de ser feliz, nem sempre consigo enxergar à frente aquilo que se encontra longe demais pra que eu possa definir.
já não sei precisar mais quando a idéia surgiu. lembro de um momento na fazenda do tio flavinho na joatama, um magote de gente à beira do açude, em mais um dos nossos 'encontrinhos'. tinha comida, tinha cerveja, tinha um violão, pois a gente gosta da trilha sonora que nos acompanha. e naquele momento de simplicidade, bateu um certo desconforto de voltar pra longe. mas passou rapidinho ali, até porque e gente não consegue fazer encontros como aquele todo fim-de-semana. aquele momento se juntou a outros momentos de desconforto: a doença de alguém que carrega em si um pedaço meu, a tristeza na despedida, a sensação de que a distância crescia cada vez que eu vinha de férias e voltava pra lá. ao mesmo tempo em que morar lá era bom - e eu vou ter sempre um pedaço meu por lá - estar aqui foi se firmando como uma necessidade.
estabelecer uma vida aqui não tem sido fácil e eu vou aprendendo mais uma habilidade: a de colecionar momentos e colar uns nos outros pra construir a história que eu quero ver escrita na minha vida aqui em fortaleza. vou juntando aqueles que eu quero que fiquem registrados, marcados, devidamente guardados e colando por cima daqueles que quero ver desaparecer, ou que deixem marcas tênues, sutis na minha existência. e vou vivendo - inteira e entregue - todos os momentos que colo nas páginas em branco que inauguro todo dia de manhã.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ELA

quando éramos crianças, ela cuidava. fazia a comida preferida, cuidava do banho, da diversão no cine são luiz, com direito a duas sessões. levava o magote todinho pra serra, sustentava nossa gula pelos picolés do frescão. levava presentes nas visitas as salvador. nos mandava ir brincar no mato pra ele dormir depois do almoço, protegendo assim uns e outro.
pensei em tudo isso sábado de manhã. a ressaca da sexta-feira só começava quando o telefone tocou e pediu minha presença. ao chegar lá, ela meio agitada, vi o filme todinho de novo, de como ela construiu pra si, sem qualquer premeditação, um mundo de amor, carinho e suporte eternos. apesar da dor de cabeça e do gosto de cabo de guarda-chuva na boca, não pensei nem meia vez em correr pra lá. e conversa vai, conversa vem, com cuidado e paciência, descobrir porque ela não queria a companhia da mocinha que vem dar uma força no fim-de-semana, porque ela não tinha dinheiro, porque estava daquele jeito meio agitada. é a minha forma de lhe dizer que estou ali. e, apesar de parecer que os 91 anos de vida lhe fizeram um tanto esquecida, confusa, ela entende direitinho. e me liga pedindo ajuda, me pede pra ir visitar quem ela quer bem, ir ao banco.
ela vive a dizer que não sabe o que fez pra ter uma família tão unida, doze netos que se querem tanto bem. mas a gente sabe direitinho o que ela fez: ela liderou pelo exemplo. foram ela e ele que nos estenderam a mão a vida toda quando qualquer coisa acontecia, estiveram sempre por perto.
foram amor e exemplo que construíram essa família. simples assim.

sábado, 11 de setembro de 2010

nunca

você não está só se três crianças te chamam de tia e te querem bem de verdade. se ficam com você quando os pais viajam e curtem estar só contigo. se te querem no abraço antes de dormir, se te deixam lhes ajeitar o lençol no meio da noite, se chamam teu nome na hora do pesadelo, do dever de casa, de colocar pasta na escova de dente, de contar o acontecimento mais legal da manhã na escola. se elas correm quando você chega pra buscá-las na escola e dão abraços e beijos, perguntando, com a maior naturalidade do mundo, o que é que tem para o almoço.
você não está nunca só quando um sábado à noite, despretensioso, se torna um encontro. a conversa é sem qualquer pretensão, porque todos ao redor da mesa sabem que é nas coisas mais despretensiosas que está o que é de verdade nessa vida. o encontro não precisa ser marcado com antecedência, pode surgir de um fato inesperado, de um acontecimento triste, de uma coincidência da vida. não importa o que fez o encontro possível, importa só que ele exista.
você não está só se tem família. se um simples e-mail desencadeia uma reação e faz com que mãos se estendam. se existe a possibilidade de pedir ajuda, mesmo que eles estejam impossibilitados de te ajudar. não é isso que importa - o que importa é poder pedir, poder gritar.
e saber que não caminha só nesse mundo. basta isso.
eu não estou nunca só.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

pressa

aos poucos, eu me afino com ela: a cidade se debruça sobre mim, com força e dureza de concreto. depois de alguns anos na maciez das zonas rurais, encontrar-me com a dureza da cidade, que se pretende metrópole, é quase violento. mas fomos nos tateando uma à outra, com cuidado, sutileza, sem qualquer pressa. eu ainda prefiro o ritmo lento das zonas rurais, não vejo qualquer glamour numa estrutura em que ninguém é de fato alguém. aqui, somos todos só uma multidão - não há rosto, identidade, só a massa.
me incomoda a pressa daqueles que fazem a cidade, carros cortando uns aos outros, costurando nas ruas da cidade um zig-zag eterno de desespero. na frente de uma escola, às sete da madrugada, uma mulher que acabava de deixar seu filho na escola não pode esperar que outra, com quatro crianças a tiracolo, atravesse a rua. faz menção de passar por cima e, enquanto as crianças arrastam suas mochilas de uma calçada à outra, continua a avançar, milímetro por milímetro, como numa ameaça.
eu tive vontade de lhe parar o carro, pedir-lhe que abaixasse o vidro: como é seu nome? pra onde você vai? o que te desespera tanto? tive vontade de lhe dizer que de nada adianta correr, que a vida é maior que ela, que aquele carro bonitão que ela dirigia, que a reunião pra qual ela teme se atrasar, que a aula que a criança dela vai assistir. que a pressa dela não a leva a lugar algum, tive vontade de dizer-lhe.
reajo à pressa eterna da cidade com resistência. sou adepta da lentidão, da paciência, espero que os ônibus peguem seus passageiros nos pontos da cidade, espero que carros saiam dos estacionamentos, deixo que pedestres atravessem a rua. escuto resignada as businas atrás de mim, elas não resgitram no meu cérebro o recado da pressa.
entre as opções da cidade que corre o tempo todo, eu ainda fico com a possibilidade de olhar com calma. só quem olha - e olhar requer tempo e calma - é capaz de ler a cidade e todas as suas entrelinhas. e achar, no meio de tantas palavras mal escritas, alguma rima, um esboço qualquer de poesia.

sábado, 21 de agosto de 2010

sobre

azedar o caldo e o dia dos outros é fácil. falar o que quer, na hora que quer, do jeito que quer é fácil. difícil é se responsabilizar sobre o que foi feito e dito.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

20 de agosto de 1982

sexta-feira já foi pra mim o dia que antecedia os dois dias da semana sem escola. já foi dia internacional da cerveja, nos tempos da faculdade, no lanches lu, pertinho da linha do trem, entre duas montanhas das gerais. já foi dia de colocar as penas pra cima, cansada do dia de aula, do laboratório com uma das minhas turmas preferidas da minha vida de educadora.
exatamente hoje, sexta-feira, essa sexta-feira 20 foi dia de saudade:
um menino dos cabelos amarelos, de bochechas salientes, de um eterno riso fácil. de abraços e chamegos, de um amor maior que o mundo. meu primeiro neném, minhas primeiras fraldas de verdade, um algodãozinho na testa quando tinha soluço. o menino por quem eu um dia fui bater boca com outro no fliperama perto do colégio. o menino que ficou na escola sozinho um dia, o pai se atrasou por qualquer problema no trabalho. e eu fui lá, salvá-lo daquele pátio já escuro, com direito a pito no pai, sem nem antes saber o que havia acontecido. meu menino e o bilhete que ainda tenho, de quando eu fui fazer faculdade e nós, pela primeira vez, ficamos separados no espaço.
perduram nele hoje o sorriso fácil, o jeito mole de falar de filho caçula. perduram em mim as lembranças doces da casa da rua das dálias e o amor maior que o mundo. esse, o amor, há de perdurar sempre, maior que o mundo, profundo e até sofrido. mesmo que entre nós haja kilômetros e tempo. mesmo assim, mesmo que qualquer coisa aconteça, eu tenho certeza do amor que cresceu junto com o menino de cabelos amarelos que se transformou no homem de cabelos castanhos que continua a ser, antes de tudo, meu menino de cabelos amarelos e riso fácil.

toró

bendito seja o youtube numa noite solitária de sexta-feira:

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

fortaleza

o nome dela remete a força, proteção. ela deveria ser, então, onde nos sentimos seguros.
nos reencontramos eu e ela já fazem uns dias. eu a vi da janela do avião, a me apresentar seu cartão postal: um mar azulverdeturquesa, o litoral recortado por rios, ruas quadradinhas, uma beleza.
de perto, ela não é bela, apesar do slogan desastroso. de perto, ela me parece pequena. não em números, esses parecem quase todos tender ao superlativo. de perto, ela é pequena em expressão. são buracos, engarrafamentos, falta de educação e de respeito, crimes, liberdades tolhidas, desejos reprimidos, oportunidades escassas e tantas mil outras coisas que não permitem que ela se engrandeça, que os seus se engradeçam junto. formamos, nós e ela, um amontoado que se apequena todo dia, um pouco de cada vez, sem que ninguém perceba. um amontoado que se engasga toda vez que quer se expressar, que quer projetar sua voz pra frente, que quer ser diferente de alguma forma.
todos nós somos: o menino que pede dinheiro na porta da padaria, o velho que está sempre no sinal da oswaldo cruz com antonio sales a sacudir moedinhas na mão em busca de mais, os jovens que cuidam dos carros estacionados, a moça que nos fita de dentro do ônibus apinhado de gente. de nada adianta você estar em seu carro, de ar condicionado ligado, falando ao celular ou ouvindo no rádio um clássico da música popular brasileira. você continua sendo todos aqueles que ela, a fortaleza, exclui.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

a maré ainda não baixou mas,

preciso dizer, registrar, que não há nada melhor nesse mundo do que três seres que me chamam carinhosamente de tia mari, que me dão os abraços mais apertados desse mundo e me brindam com sorrisos de vida quando me vêem. e entendem que eu preciso estar longe por agora, mas pedem pr'eu ficar mais um pouquinho, mesmo sabendo que eu não vou poder. e, diante da resposta negativa e da devida explicação do porquê dela, aproveitam quaisquer quinze minutos que nos restem da maneira mais intensa que podem. somos eu e eles nessede dez ou quinze minutos e nada mais.
volto quando a maré baixar.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

a quem interessar possa

vem coisa nova por aí.
e por isso, preciso me retirar, me preparar para o desafio.
e como acontece em toda mudança, em toda transição: aí vem vindo um novo horizonte. já o venjo ao longe, mas ele ainda não é concreto o suficiente para que eu possa tocá-lo. vou ali correr atrás de tudo o que eu preciso e volto quando a maré dessa transição estiver baixa.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

o que está por vir

hoje, no parque, helena - a menina dos olhos de gato - me diz assim:
-titi mari, men can marry men and women can marry women. but men can also marry women and women can marry men. everybody can marry everybody.
parece que tem uma geração diferente vindo aí... parece que, como cantou lulu santos, tem uma geração de "gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não". que tem a cabeça aberta e aceita o amor, qualquer que seja a forma como ele manifesta.
esse mundo precisa tanto desse aprendizado! só consigo crer num mundo melhor do que esse que temos aí, se ele incluir que sejam aceitas as diferenças quanto à cor, ao credo, à cultura e à orientação sexual.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

palavras emprestadas

já que a falta de ócio tem me impedido de criar, continuo pegando emprestadas as palavras dos outros. então, aqui vai, uma música do gilberto gil, a quem admiro profundamente tanto por sua música, como por sua sensível e delicada capacidade de juntar palavras:

sábado, 3 de abril de 2010

me calo...

... e ele fala:

Estou solto no mundo largo.
Lúcido cavalo
com substância de anjo
circula através de mim.
Sou varado pela noite, atravesso os lagos frios,
absorvo epopéia e carne,
bebo tudo,
desfaço tudo,
torno a criar, a esquecer-me:
durmo agora. Recomeço ontem.


Carlos Drummond de Andrade, fragmento do poema Idade Madura

segunda-feira, 22 de março de 2010

morro dois irmãos

gosto por boa música na minha família é hereditário. papai cantou ontem pra mim, ao telefone, e fui dormir e acordei embalada pela canção do chico.
e a canção diz assim:


Morro Dois Irmãos

Dois Irmãos, quando vai alta madrugada
E aos teus pés, vão se entregar os instrumentos
Aprendi a respeitar tua prumada
E desconfiar do teu silêncio

Penso ouvir a pulsação atravessada
Do que foi e o que será noutra existência
É assim como se a rocha dilatada
Fosse uma concentração de tempos

É assim como se o ritmo do nada
Fosse sim todos os ritmos por dentro
Ou, então, como uma música parada
Sobre uma montanha em movimento

Chico Buarque


passei o dia a catarolar...

domingo, 21 de março de 2010

paciência

eu gosto de gente, de barulho, de confusão, de música, de cores muitas. gosto de gente chegando, se abancando, ficando. estar só pra mim, quase nunca é opção. e sempre é um exercício. é sempre suado, estar só. invento jogos comigos mesma, invento realidades paralelas, brinco de ser alguém que eu não sou. brinco que o mundo não é só silêncio. e, lá pelas tantas, cansada do jogo, invariavelmente, ligo o som. nesses momentos, só a música preenche.
ainda bem que agora eu posso contar o tempo de trás pra frente. conto os dias que faltam para, e não os dias desde que. esse stand by absoluto que se instalou ao meu redor sabe que vai chegar o dia de acabar. eu também sei. e busco fundo a paciência que eu não tenho, porque, como a menina espilicute que eu fui um dia, tenho pressa. e pressa é incompatível com paciência.

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helena, a menina dos olhos de gato, me pergunta:
- titi mari, does it take long to get married?
- what do you mean, helena?
- i mean, does it take long for me to get married?
- yes, you will have to wait a few years...
- ok - e segue brincando com seus legos.
sabe ter paciência, a helena.

domingo, 14 de março de 2010

foi em 2005 que comecei a aprender o valor de boas lembranças.
vovô fazia aniversário em março. dizia não ligar pra data, se fazia de durão, mas esperava, um por um, os netos ligarem. não sei exatamente quantos anos ele faria nesse próximo 16 de março, mas sei que seria mais doce, mais generoso, qualidades que ele ganhava em proporção geométrica com o passar dos anos.
filhos e netos eram pra ele motivo de orgulho. nossas realizações, sobretudo nossas realizações adultas era acompanhadas de perto, com vibração ímpar. sabia a colocação de cada um no vestibular, sabia a idade ao completar o doutorado, o mestrado, a graduação. sabia salários. mas sabia mais que isso. sabia o que me motivava, sabia meus objetivos, sabia o que eu buscava nessa vida.
princípios e valores, como lealdade, ética e honestidade, me foram ensinados por ele. aprendi com as histórias que ele contava, com os sermões que ele dava. sobretudo, aprendi vendo como ele agia com as pessoas. meu avô liderava pelo exemplo.
aprendi com ele o valor da felicidade pequena e simples. no fim de sua vida, limitado pela doença, viveu com plenitude as pequenas coisas da vida. se alegrava imenso com uma visita, um telefonema, uma massagem no pé, a fisioterapia da lorena. vivia através da gente, viajando, defendendo tese, passando no vestibular com cada um de nós. curtia a arca que os netos mais velhos inventaram pra manter a família junta e se enchia de orgulho ao nos ver todos próximos e amigos. nos seis anos em que pouco saiu de casa, reclamou muito pouco. nunca vou esquecer a cena: saindo de casa pra ir ao médico uma certa vez, ligado no oxigênio, bricava que a tia neile era a comandante e ele, só um tripulante, rindo de orelha a orelha.
dia 16 de março é dia de sentir saudade. mas é dia de curtir as boas lembranças. é dia de me lembrar que a felicidade de verdade é pequena, é simples, e é muito mais fácil de se encontrar do que a gente consegue, normalmente, enxergar.

sábado, 6 de março de 2010

mares de morros

a casa está nas gerais, num vale, entre montanhas arrendondadas, cobertas de uma mata verde. ali, naquela casa, encontrei um bocado do que eu sou hoje. daquele lugar, tenho saudade sempre. daquele lugar, sou parte sempre. pr'aquelas pessoas, eu volto sempre.
em maio de 2009, depois de dois anos sem aparecer, senti lágrimas me subirem aos olhos ao adentrar na cidade. parecia que eu tinha estado ali na semana anterior; os sons, os cheiros, a luz, tudo me era familiar. pouco depois, eu chegava à casa. tinha cheiro de pão de queijo, a casa àquela hora. tinha música tocando, havia braços abertos, beijos muitos, alegria tanta que não cabia nem na gente. a minha sensação era de pertencer. ali, estou em casa.
mais tarde, e ao desenrolar dos dias, a casa tinha cheiro de cada um dos meus quitutes preferidos. marly disse à mila que aviava meus pedidos, um a um. mas pra mim, era mais que isso. mais que meus pedidos aviados com amor, éramos nós todos juntos. éramos nós todos a quentar fogo na cozinha até de madrugada, a sentar na beirada da horta pra esperar marly passar o filé. éramos nós, todos juntos. e parecia que tinha sido ontem a última vez.
amanhã, vou ligar, vou falar com quem mora naquela casa que me acolheu naqueles anos todos. vamos falar de amor. e vai parecer que foi ontem a última vez.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

feliz ano novo

no país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza: tem-se por costume só começar o ano depois do carnaval. antes, estão todos meio de férias. depois, todo mundo se apruma, todo mundo começa a colocar em prática suas listas de fim-de-ano, todas as resoluções do mundo tentando sobreviver à pressa nossa de cada dia.
é bem verdade que meu ano começou aos 20 e poucos de janeiro, quando entrei naquele avião rumo ao norte geográfico, deixando pra trás meu norte sentimental. até 20 e poucos de janeiro, meu tempo estava parado, impossível de ser contado em minutos ou dias. meu tempo era contado em conversas, em olhares, em abraços, em banhos de mar ou na piscina da serraninha. lá, meu tempo valia tanto que eu conseguia viver muitas vidas em uma: ali tudo tinha a intensidade do muito.
minha lista pra 2010 é muito mais curta do que a de outros anos. depois de um 2009 de pernas quebradas, quero pouca coisa. mais que pouca coisa, tudo o que está na minha lista é simples. em vez de paris ou milão, eu sonho com uma mesa de café-da-manhã posta em fortaleza, em baturité, na joatama, na taíba. podemos até ser muitos ao redor da mesa. mas a nossa conversa é simples, é cotidiana, é da partilha mais sem ambição desse mundo. podemos nos presentear com o luxo da simplicidade do que é rotineiro, porque somos ligados com profundidade. precisamos de poucas palavras porque temos muito sentimento. e de sentimento não se diz, sentimento é indizível.
foi mesmo assim que 2010 começou. éramos poucos naquela praia. falamos do mar, do fogo, e entre beijos e abraços, nos calamos pra sentir. entre pular uma onda e dar um abraço, eu me calei pra chorar, pra deixar saírem de mim as impressões de 2009. e foi assim que, começando 2010, com tudo que é absolutamente imprescindível perto o suficiente pra que eu pudesse sentir, entendi que tudo o que eu preciso é pouco, é simples. pra 2010, eu quero que sejamos todos felizes. e nada mais.

ps: no telefone, ela me disse que o ruim é quando eu to lá e o tempo passa muito rápido. e eu me dei o presente de poder responder-lhe: se preocupa não, meu amor, que o tempo vai passar na medida certa a partir de junho.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

por um fio

conversei com ela hoje. eu a morrer de frio aqui, um mundo todo branco de neve ao meu redor, ela a morrer de calor lá, na cidade que se vê todo dia abençoada pelo cristo. nós duas, ligadas por esse fio invisível que a maioria chama de amor, entendemos que o sentimento é mais legal quando reforçado pelas atitudes: atenção, cuidado não fazem mal a ninguém. contei-lhe que relações superficiais nao me interessam, não invisto mais tempo nelas. ou em quase nenhuma delas.
e foi só eu e ela encerrarmos nossa conversa que o telefone tocou novamente: era ele. eu e ele, também ligados pelo fio invisível. não é nada, ele diz, só saudade. só vontade de conversar, contar as novidades da semana, partilhar o cotidiano, me contar dos meus três amores mirins.
e eu aqui registro: só saudade? saudade não é nunca só, pouca, saudade não pode ser nunca minimizada. saudade é sempre grande, acompanhada. saudade é e pronto.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

saudade

maria bethania cantou hoje, na minha casa, os versos do gilberto gil:

se eu morresse de saudade
nao poderia dizer
que bom morrer de saudade
e de saudade viver...

e minha saudade ficou bonita, embalada, acalentada.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

um lugar no mundo

cheguei. eh bom chegar aqui, vai ser sempre bom chegar aqui. aqui tambem eh casa, aqui tambem tenho historia, aqui tem parte de mim em caminhos, em pessoas. mas aqui, tenho sempre um pedaco faltante. aqui, ando sempre meio torta.
chegar aqui significa deixar uma parte de mim pra tras. cansada de viver em pedacos e, tambem, cansada das impraticidades todas de ter atravessar as muitas milhas que me separam do lugar onde sou inteira, decidi que eh hora de ir.
a terra de iracema eh ninho. da terra de iracema tenho as melhores lembrancas de infancia, na terra de iracema tenho os meus, mesmo que por periodos somente. na terra de iracema, canta-se em portugues, todo som eh cancao de ninar. da terra de iracema, tenho momentos preciosamente guardados: soh na terra de iracema eu chego tarde, e a festa terminada se acende de novo. soh na terra de iracema ha 6 dos meus enfileirados na saida do desembarque. soh na terra de iracema, podemos dancar ateh o dia clarear, perto do mar, debaixo de chuva, soh nos. soh na terra de iracema, juntam-se tres marianas, feitas da mesma materias, e sentadas no colo uma da outra, a ordem cronologica respeitada, brincam de tirar foto. soh la, na terra de iracema, eu sou inteira, eu faco parte, eu pertenco.