sexta-feira, 26 de novembro de 2010

sobre todas as coisas

quase todas as minhas possessões materiais encontram-se, neste exato momento, dentro de caixas, num armazém empoeirado no porto de santos, esperando pra etapa final de um longo trajeto entre o porto de boston e fortaleza. já foram liberadas pela alfândega e, agora, esperam o momento de pegar a estrada pra chegar até onde estou. tem sido um exercício de desapego, já que gosto das minhas coisas perto de mim, mesmo sabendo exatamento qual o valor delas na minha vida. (entre as coisas e as pessoas, eu fico sempre com as pessoas)
começo, depois de quase quatro meses, a sentir falta. ando querendo meus livros de poesia, amontoados entre o banheiro e a cabeceira da minha cama, ando querendo escutar um disco e cantar, acompanhando as letras pelo encarte do cd. ando querendo meus discos, meus livros e nada mais.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

eu não sou da sua rua

em quinze anos fora de casa, longe dos meus, aprendi a sentir saudade. o que no começo vinha como dor, como agonia que não passa porque só pode terminar com a proximidade, se transformou em sentimento mais sereno, em algo que se pode diminuir com o telefone, o skype e qualquer outra ferramenta tecnológica que possibilite o contato à distância. aprendi a contar os dias até matar a saudade, aprendi a viver com ela todo dia um pouco, como só as coisas rotineiras podem ser. aprendi que, muito mais que ausência, saudade é presença. saudade é ter alguém, é ter porto seguro, é ter um norte pra onde se pode rumar a qualquer momento.
nos últimos quinze anos, minha saudade se multiplicou. passei a sentir saudades, que se apresentavam absolutamente diferentes umas das outras. consegui, com o tempo, identificar cada uma delas, como se elas tivessem nome. não foi somente porque a vida levou alguns pra longe. não foi só porque alguns de nós já não mais podem nos abraçar - nem mesmo quando o magote todo se reune pro natal ou pra já tradicional viagem ao logradouro entre o natal e o ano novo. é porque saudade é pessoal e instranferível, cada saudade tem em si o nome da pessoa escrito e adquire assim características próprias. cada saudade é uma entidade.
nunca cansei de sentir saudade. como poderia, se foi ela minha companheira em muitos momentos? como poderia cansar-me dela, se era ela quem me lembrava de onde eu sou, onde estão minhas raízes? sentir saudade me fez entender que, por ter raízes tão profundamente fincadas na terra dos meus, eu pude sair. busquei outros mundos, outras histórias, vivi outras culturas única e exclusivamente porque eu sabia que tinha pra onde voltar.
e voltei. voltei pra onde vários dos meus nasceram e cresceram. voltei pra onde estão minhas raízes, enredadas no solo, trançadas com outras raízes. e trouxe comigo pedaços do mundo por onde andei, onde também, sem saber, deixei fincadas algumas raízes. mas voltar não é fácil e eu tenho acordado me sentindo estrangeira numa terra que deveria ser minha. numa terra onde eu deveria me sentir em casa. sou um peixe de mar nadando em água de rio, sentindo falta da salinidade. mas do que contar os dias pra matar a saudade, conto agora os dias pra que minha rua vai seja minha de fato, pra que eu tome posse do que é meu e consiga absover água da terra através de minhas, tão profundas, raízes.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

um sol que não combina

deve haver um porquê, um motivo pra se acordar um dia se sentindo sem lugar no mundo. deve haver um porquê pra alguém que é confortável consigo próprio uma dia acordar e não se sentir bem dentro da própria pele. deve existir uma função pra trizteza, pra melancolia, pra dor de dentro, pra o que não se diz com palavras. deve haver um porquê de, em algum momento, parecer que você é invisível, que os outros olham e não te enxergam e parecem passar por cima de você como se você fosse só mais um pedra do calçamento.
hoje foi um dia que não combinou com o sol brilhando num céu azul de brigadeiro. devia estar chovendo, eu pensei ao acordar. queria um dia cinza, queria nuvens de chumbo no céu, porque aí, sim, o céu combinaria com o que tenho por dentro. pesaríamos eu e elas, as nuvens, e talvez eu sentisse como se alguma coisa nesse lugar combina comigo, como se eu estivesse no lugar certo. eu queria hoje fosse só o primeiro dia de uma primavera ao avesso, queria que tudo virasse botão e fosse involuindo até se dissolver e não haver mais nada. toda matéria desaparecida em poucos segundos. e pra sempre: o nada.
fiz planos que não deram certo, olhei pra uns com olhos de súplica. mas nada adiantou hoje, nada funcionou, a comida não teve gosto, o chocolate não trouxe alento, o banho não refrescou, o perfume não tinha cheiro. no prédio da frente, crianças brincavam e o barulho que elas faziam, normalmente agradável, parecia ensurdecer, machucar, chegar nas entranhas rasgando, latejando. talvez dormir seja a única solução, pra desaparecer entre muitos lençóis e acordar daqui a uns dois anos, quando tudo tenha se transformado.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

sob o prisma de uma criança

as crianças da minha vida me explicam sobre o mundo. eu procuro ficar atenta, quero, sim, entender o mundo sob o prisma deles.
ontem, uma dessas crianças, do alto de seus 4 anos, me explica:
- tia mari, o serra perdeu e agora ele não existe mais. agora, só existe a dilma, porque ela ganhou.
é sim, meu amor, bem assim do jeitinho que vc me explicou. quem dera esse monte de gente recalcada que, passadas as eleições, continua brigando, se agredindo, inventando loucas teorias da conspiração entendesse que, agora, independente de cada escolha individual, só existe a dilma - ela é nossa presidente eleita e ponto. e, mesmo quem não gosta dela, deve respeitá-la e torcer para que ela faça o que há de melhor pro brasil. torcer pra ela não ser uma boa presidente pra depois poder dizer "eu te disse" é coisa de gente ruim da cabeça. pensar em separar o brasil porque, supostamente, dilma foi eleita por somente algumas partes do país é negar os números (pra não falar em burrice). agora, aproveitar esse momento pra liberar e expressar seus preconceitos latentes, pra mim, já é caso de polícia.
que todos entendam, com a simplicidade das crianças, que a democracia nos deu a chance de ir às urnas e decidir quem vai nos governar. uma eleição é uma consulta ao povo e prevalece a vontade da maioria. passada a eleição, temos uma presidente eleita somente. e ela é de todos nós.