quarta-feira, 25 de março de 2009

Sintonia para pressa
e pressagio
Paulo Leminski
Escrevia no espaco.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na petala,
luz do momento.
Soo na duvida que separa
o silencia de quem grita
do escandalo que cala,
no tempo, distancia, praca,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalco ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e nao cabe mais na sala.

tenho feito pouco exercicio fisico. tenho, na verdade, saido pouco de casa. a nao ser que seja trabalho, ando querendo mais eh ficar em casa, curtir esse canto e faze-lo meu. aos poucos, vai ficando com cara de que ali mora uma mariana, que gosta de barulho, de risada, de musica a toda hora, de comida no fogao e de gente. meus amigos tem vindo me visitar, uma alegria a mais nessa casa tao ensolarada. tenho preparado refeicoes pra uma plateia de queridos, que se sentam comigo a mesa e partilham mais que a comida. ali, naquela mesa enfeitada com flores amarelas, meu indez de primavera, a gente partilha a vida e celebra os lacos invisiveis que nos unem. ali, naquela mesa, emily me conta de annie, que cresce a contento dentro do utero, que mexe de noite e nao deixa a mae dormir. ali, naquela mesa, o remi come o resto da salada, pergunta como eu fiz o frango e se oferece pra fazer o upgrade do meu computador. ali, noemi e tita comem moela comigo, preparada como no brasil, enquanto helena corre em volta da mesa, aquela alegria toda de seus 3 aninhos a encher os espacos vazios todos. helena me chama de titi mari, me mata de alegria com abracos inesperados; um beijo e uma mordida. sabe ser charmosa, a helena. sabe o quanto eh querida. me faz sentir falta de noelia, a irma mais velha que estah na escola, que nao pode vir, que inventou essa historia deliciosa de me chamar de titi mari e que, toda vez que me ve, me diz toda feliz que se lembra do nome do meu pai e da minha mae.

na pressa do dia-a-dia, a gente nao ve as pessoas. voce pode ateh olhar, pode ateh notar a presenca, mas eh preciso mais que isso pra ver as pessoas ao redor. hoje, entrando no college, cruzei com a mariluz, ex-aluna; como eu sempre cruzo com ex-alunos e aceno com a cabeca, dou um tchau timido e pronto, sigo apressada. por algum motivo que eu nao sei, parei hoje, chamei-a pelo nome, perguntei pela vida. e ela parou, e me olhando bem nos olhos, me perguntou, entre espanto e surpresa: voce se lembra de mim? me deu um abraco, me contou que entrou no programa que queria. no final, pegou no meu braco, e apertando, me disse: estou feliz que voce ainda se lembra de mim. saih pensando naquele encontro breve, pensando nas muitas vezes que eu poderia ter chamado um aluno meu pelo nome, que poderia ter parado uns trinta segundos pra perguntar da vida e, por um motivo que eu nao sei, nao o fiz.

domingo, 22 de março de 2009

caminhos, caminhar

as vezes, o que escrito estah eh quase ficcao. as vezes, eh quase realidade. quase sempre, eh uma mistura bem dosada entre ficcao e realidade. qualquer coincidencia eh mesmo mera coincidencia. ou nao.


da janela de casa, escuto e vejo o trem que passa, que apita, que solta fumaca e segue o caminho. trilhos, trilhos, trilhos, numa quantidade sem fim de caminhos. ha dias em que me pego tonta, tantos sao eles, estrabica na vida. as encruzilhadas eu vou passando, escolhendo que rumo tomar com ou sem motivo, sem muita confianca na minha intuicao. quando penso que sei, que escolhi certo, uma placa aleatoria aponta pra mim e diz: volte! nem sempre eu volto, nao sou resignada. sou cabeca dura, sou teimosa. a placa me segue caminho afora, apontando o dedo e mostrando-me que eu nao voltei pelo caminho que vim. a vida eh isso mesmo, as vezes eh necessario seguir, a despeito das placas aleatorias, acusatorias, o o que quer que seja.
eu tambem me pergunto porque prossigo, apesar de tudo e qualquer coisa. tambem me pergunto se meus passos sao sempre pra frente. e concluo: sao, sim, pra frente, adiante, pra alem. herdei os olhos verdes da minha avo e, junto com eles, muita forca, garra e um pouco de coragem. eh preciso um vento muito forte pra me derrubar. por causa desses genes fortes, superlativos, qualquer paixao me diverte, qualquer amor me aquece, qualquer cancao me embala.

quarta-feira, 18 de março de 2009

na casa nova, quase jah arrumada a gosto, uma tarde de ócio. boa poesia, boa musica e felicidade entrando pela janela como raios de sol, que entram de um por um, feixes e mais feixes de luz, paz e alegria.
adelia prado habita comigo. eh, de longe, uma das minhas preferidas - presente das minhas minas gerais, terra das montanhas, de marly, de comida gostosa e gente do bem. eu aqui, suspirando de alegria por ter vivido anos muitos nos mares de morros e adelia a sussurrar no meu ouvido:

O amor no éter
Adelia Prado
Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na agua,
entram e não neste lugar de memoria,
uma lagoa rasa com canicos na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafisica, exclamam:
como és bonito!
Quero escavar-te ate' encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo e' leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

terça-feira, 17 de março de 2009

ontem, 16 de marco, o vovo firmino faria 93 anos. nao gostava de festas, nao queria grandes comemoracoes. mas gostava das ligacoes dos netos que moram longe, gostava de estar com a familia nessas horas. penso sempre nele, as licoes que ele deixou, o exemplo de retidao de carater, de lealdade sao muito fortes e deixaram profundas marcas em mim. esses dias, uma amiga me descrevia como uma pessoa que gosta de fazer tudo certinho, que eh responsavel, que eh perfeccionista. ouvi aquela descricao pensando que quase tudo aquilo eu ou herdei ou aprendi com meu avo diretamente ou indiretamente - atraves da minha mae.

sei que ele hoje estah feliz, porque eh o lancamento do "transatlantico" da mariana marques no teatro jose de alencar em fortaleza. minha maricota. vovo estah alegre junto com ritinha e zezim do limoeiro, estah morto de orgulho da sobrinha-neta danada, que pinta, borda e escreve bonito como quase ninguem consegue:

"no depois, eu vejo a vida como minha mae ve. eu sou do plano da alegria onde corre vento no vao do que mesmo deveria ser mais abafado e escuro.
ainda que eu nao mereca esse transbordar de bencao. ateh a ressaca do mar lavou nossa calcada ontem, um assopro de adivinho e sal. nossas peles umidas se pregando de maresia ainda que sem se tocar, o bem.
e estah tudo limpo.
vejo as luzes das vidas nos predios fazerem a curva na orla. doido eh quem diz que aqui eh o fim do mundo."
mariana marques, em transatlantico

fiquei sentida em nao estar no brasil hoje. do mesmo jeito que fiquei sentida no dia 23 de janeiro de 2008, no dia 22 de abril de 2006 e no dia da formatura do pit, qualquer que tenha sido a data. eu sou dura na queda e aguento o tranco de estar longe dos meus na maior tranquilidade. mas isso nao signifca que seja facil estar longe em datas marcantes, em dias importantes, significativos. fico pensando bem forte nos meus, adivinhando passos ao longo do dia: onde estao agora? jah chegaram no teatro? quem estah lah? que roupa vestem? meu pensamento forte me leva mais perto, eu sei. mas fico o dia inteiro com a impressao de que eu esqueci de fazer alguma coisa importante, ou que esqueci algo valioso demais num lugar onde nao posso mais voltar.
a impressao passa. esse amor todo que flui em todas as direcoes entre nos nao me deixa nao me sentir parte, mesmo estando longe. e eh isso que conta.

segunda-feira, 9 de março de 2009

para flavia, que hoje completa um etapa e fecha um ciclo.
se hoje de manha, na hora em que acordei, alguem me dissesse que eu havia voltado no tempo uns 2 meses, eu acreditaria sem nem piscar os olhos. tinha neve em tudo quanto era canto e continuava caindo. o mundo todo era branco, a luz refletida naquela branquidao sem fim a furar a cortina verde musgo que temporariamente ocupa a janela do meu quarto.
me mudei sabado. dormi aqui pela primeira vez morta (ou viva?) de cansada e de felicidade de ter encontrado um outro lugar pra viver, onde as pessoas levam sua vida com a intencao clara de fazer a dos outros agradavel, pra assim viverem bem tambem. da janela da minha casa, vejo familias que vao passear juntas num dia de sol do fim do inverno, vejo meninos que jogam basquete na garagem de casa, vejo bicicletas cor-de-rosa, meio enterradas na neve que insiste em nao derreter. meu vizinho vem me avisar que viu que minha maquina de lavar nao estava completamente instalada e que tomou a liberdade de terminar o servico. pergunta se tem problema. hein? problema? nao, nenhum - obrigadissima.
tao pouco pr'um contraste tao grande. enquanto eu e o remi arrumavamos as coisas pra comecar a transportar minha mudanca pro caminhao, meus vizinhos antigos nos brindaram com um bate-boca daqueles. pro remi acabar de chegar a conclusao que, de fato, eh hora de sair dali. e me brindar com o gentil comentario de que aquilo nao combina comigo. ainda bem.
*****
flavia hoje defende sua tese de mestrado. e esse post eh pra ela, que me ensina o que sabe, que partilha comigo e alimenta em mim o amor pela educacao. que me inspira com sua luta pela educacao pra todos, no campo, na cidade, no sul ou no norte. e que busca algo que tenha significado, que ultrapasse o tecnico e vah bem fundo, que toque a alma e faca a vida ser plena de significado. foi ela quem me ensinou que educacao tem mais sentido quando se deixa de ser tao formal e se deixa influenciar pela vida daqueles que lhe sao alvo.

domingo, 1 de março de 2009

o sopro

trabalho, trabalho, trabalho. gosto, acredito no meu trabalho. sei que ele eh relevante pra algumas pessoas. mas, eh claro, acordo cansada as vezes. assim foi sexta-feira:
fui na escola de segundo grau de north andover falar sobre a importancia da educacao, da importancia em continuar depois de terminado o segundo grau. falei, falei, falei, citei numeros, estatisticas, contei conversas que tive com minha mae quando mais nova, contei piadas (sim, eu consigo contar piadas quando encarno minha persona professora!!!)... mas nunca nenhuma historia poderia ser mais contundente que aquela que estava pra ser dividida. a dona da historia eh uma senhora de 60 e poucos anos, o cabelo grisalho. nasceu e cresceu em north andover, uma cidade de alguns poucos mil habitates ao norte de boston. nasceu numa familia pobre, o pai nao terminou o segundo grau, a mae terminou a duras penas. foi a primeira filha de muitos (nao lembro exatamente quantos), tinha que trabalhar pra ajudar em casa. mas queria mais: terminou o segundo grau contra a vontade do pai, que a queria logo livre pra trabalhar expediente completo. queria ainda mais: se virou e comecou a estudar no northern essex community college. terminou com muita dificuldade, mas teminou. e aih comecou sua segunda luta: que os irmaos tivessem a mesma oportunidade que ela. bancou quase todos eles durante os anos de faculdade, comprou briga com o pai, com a mae, mas nao mediu esforcos. todos os irmaos se formaram, todos tem uma profissao, todos tem uma vida confortavel e, juntos, propiciaram aos pais, que nao os queriam na escola, uma velhice de conforto e seguranca. todos adotaram seus filhos, porque queriam dividir com outros a chance que tiveram de melhorar nessa vida. nessa hora, nossos olhares se cruzaram e eu tenho certeza que ela viu a emocao nos meus olhos. do mesmo jeito que eu vi naqueles olhos azuis escuros a forca de quem acredita. ninguem jamais conseguiria transmitir aquele recado com a mesma intensidade.
saih de lah energizada, renovada. abri a janela do carro, senti o vento bem frio, me acordando, reiterando minha crenca nesse sopro de vida que eh a educacao. meu cansaco havia ido embora.