terça-feira, 26 de outubro de 2010

dois bilhetes: felicidade miúda


dois representantes da próxima geração, brincando com o itunes da tia, ouvindo música. passamos assim, eu e elas duas, uma noite todinha até a hora que elas reclamaram do sono, do cansaço. (os hits da noite: joão e maria e a banda - do chico buarque, e eu nasci a dez mil anos atrás e cowboy fora da lei, do raul seixas). era hora de contar história, de dormir e sonhar. pediram-me que ficasse no quarto até que elas dormissem. e assim eu o fiz, velando aquele sono precioso. éramos só eu e elas, a música, a história e o sonho.
no dia seguinte, de manhã: elas duas sozinhas no quarto, eu não posso entrar. entre risos, existe um segredo que eu, a tia, não posso ver. até mais tarde, quando encontro sobre a cama, dois bilhetes - cada um de autoria de cada uma. tudo era especial sobre aqueles bilhetes: a letra irregular típica de quem escreve faz pouco, os deliciosos erros de português que a gente vai lembrar pro resto da vida com orgulho e, sobretudo, o tema. era de amor que aqueles dois bilhetes falavam. era o amor que aqueles bilhetes celebravam e, nas entrelinhas, exalavam a confiança, o respeito e a amizade sincera que eu cultivo com elas dia após dia.
deixei os dois bilhetes num lugar bem à vista, posso vê-los sempre. e agora ainda, alguns dias depois que os recebi, eles me falam ainda mais. me falam da felicidade miúda que é a possibilidade de fazer parte, de estar perto. miúda essa felicidade porque vem com calma, não causa sobressaltos, não gera arroubos. vem como onda em tempo de maré baixa, chega de mansinho, vai entrando lentamente pelos poros todos. e fica. permanece. perpetua-se em mil outros motivos pra sorrir, pra amar, pra ser ainda mais feliz.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ainda sobre a pressa

a cidade me impressiona pela pressa eterna. não somente a pressa dos que vão de carro, maioria entre os que eu conheço bem de perto, mas também a pressa dos que vão a pé, dos que pegam ônibus, dos que esperam a mala à beira da esteira no aeroporto. e que também inclui o menino que corre pra entrar na loja antes de quem vem na mesma direção ou a moça que pisa no seu pé pra chegar logo do outro lado da rua. se fosse só a pressa de chegar, talvez eu já tivesse até me acostumado. mas a pressa, essa entidade onipotente e onipresente nas bandas de cá, entra pelos poros e contamina as histórias, as relações entre as pessoas. ninguém parece disposto a se deixar conhecer - e a tentar conhecer também - sem pressa, com calma, deixando que as coisas aconteçam naturalmente, como nos clichês mais bem-vindos desse mundo. parece todo mundo estar a correr contra o tempo, pra chegar logo em algum lugar que, garanto, nem eles sabem qual é. como se a gente pudesse, correndo pra fazer as coisas acontecerem o quanto antes, forjar o sentimento, o toque e as sensações todas que conhecer e se deixar conhecer no propiciam.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

momento

entre uma mudança e outra da vida, minha única decisão constante, irrevogável, é a de ser feliz. não precisa ser felicidade grande, não preciso de arroubos loucos e intensos. pode ser uma felicidade comum, dessas a que a gente sempre se refere no diminutivo. um jantarzinho, um encontrinho, beijinhos e carinho sem ter fim. mas mudar não é fácil e, embora eu esteja sempre guiada pela decisão de ser feliz, nem sempre consigo enxergar à frente aquilo que se encontra longe demais pra que eu possa definir.
já não sei precisar mais quando a idéia surgiu. lembro de um momento na fazenda do tio flavinho na joatama, um magote de gente à beira do açude, em mais um dos nossos 'encontrinhos'. tinha comida, tinha cerveja, tinha um violão, pois a gente gosta da trilha sonora que nos acompanha. e naquele momento de simplicidade, bateu um certo desconforto de voltar pra longe. mas passou rapidinho ali, até porque e gente não consegue fazer encontros como aquele todo fim-de-semana. aquele momento se juntou a outros momentos de desconforto: a doença de alguém que carrega em si um pedaço meu, a tristeza na despedida, a sensação de que a distância crescia cada vez que eu vinha de férias e voltava pra lá. ao mesmo tempo em que morar lá era bom - e eu vou ter sempre um pedaço meu por lá - estar aqui foi se firmando como uma necessidade.
estabelecer uma vida aqui não tem sido fácil e eu vou aprendendo mais uma habilidade: a de colecionar momentos e colar uns nos outros pra construir a história que eu quero ver escrita na minha vida aqui em fortaleza. vou juntando aqueles que eu quero que fiquem registrados, marcados, devidamente guardados e colando por cima daqueles que quero ver desaparecer, ou que deixem marcas tênues, sutis na minha existência. e vou vivendo - inteira e entregue - todos os momentos que colo nas páginas em branco que inauguro todo dia de manhã.