sábado, 29 de janeiro de 2011

deus e o diabo na terra do sol

as águas das chuvas expõem as feridas abertas da cidade do sol. crateras em constante crescimento. olhamos todos, abobalhados, inertes, ao espetáculo de um "inverno" rigoroso numa região que se acostumou a lidar com secas longas mas nunca soube o que fazer de muita chuva. talvez haja, no inconsciente coletivo de todos, a crença de que o deus sol que nunca nos faltou vá resolver todos os problemas, tapar todos os buracos, curar todas as feridas.
ninguém mais espera grande coisa do poder público num município em que a prefeita completou seis anos de governo com pouco feito nesse sentido. a cidade dela é suja, de asfalto irregular e esburacado, de trânsito caótico, de pessoas infinitamente mal educadas. tampouco é a sociedade civil capaz de se organizar para fazer, mais que cobrar. o que sabemos fazer mesmo é sentar numa mesa de bar e conjecturar. ali, somos todos especialistas, sabemos extamente o que deve ser feito pra resolver os problemas, citamos até números, estatísticas, dados do ibge. alguns até exageram na eloquência do discurso, bradam teorias a quem queira ouvir, sabem mais que qualquer outro.
o que tenho visto, nesses seis meses de brasil, é que os que mais falam, menos fazem. ando fugindo desse tipo de gente: que sabe de tudo, que entende de tudo, de economia à matriz energética do brasil, de história aos benefícios do açaí. que discursa sempre que tem oportunidade, que reclama o tempo todo de tudo e de todos. que está sempre com olhar de crítica pra tudo. são esses que eu vejo por aí a ultrapassar em local proibido, a cortar pelo acostamento no engarrafamento, a jogar lixo na rua, a trafegar na contramão. e se você lhes chama a atenção para o que fazem, eles têm sempre uma desculpa, uma explicação, uma justificativa. seguem acreditando que a contramão deles é melhor que a dos outros, que o papel que deixaram cair na rua era bem pequenininho, que eles só passaram pelo acostamento no engarrafamento porque estavam com muita pressa. a carapuça nunca lhes cai.
sim, estou em crise com meu país. estou no brasil por livre e espontânea vontade e não quero ir embora, mas gostaria de ver aqui alguma promessa de melhora no lugar dessa sensação de que está tudo pior a cada dia. confesso que ainda penso no aeroporto como uma saída e guardo com zelo meu outro passaporte; pode ser que ele, uma dia, volte a me ser útil. a economia melhorou, o poder aquisitivo aumentou. mas nós, as pessoas, continuamos abandonadas. por nós mesmos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

regresso

E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

Sophia de Mello Breyner

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numa noite cálida, a cinco graus de latitudo Sul, ele me fez uma promessa pro futuro.
não, eu disse. muito obrigada, mas não, eu não aceito. ando querendo promessas para o presente, cansada do futuro que não chega nunca. basta já a felicidade, promessa que diz haver o dia de chegar e, entretanto, conjugada por aqui quase sempre no passado. contento-me com ela. ter um só esperar já me é suficiente.

sábado, 8 de janeiro de 2011

o mar e outros tesouros

meus últimos meses foram assim: um dia após o outro, com uma noite no meio, num exercício da paciência que eu não tenho. ouço diversas vezes, de diversas pessoas: que é assim mesmo, que o momento mais difícil é esse mesmo, que readaptar-se não é fácil, que isso, que aquilo e mais um monte de coisa que não me serve muito de consolo. mas caminhar na vida é assim, e, se tem uma coisa que eu já aprendi nessa caminhada é que não há mal que sempre dure. um dia, essa fase ruim vai passar as coisas entrarão nos eixos como se nunca de lá tivessem saído.
apesar de tudo, sigo a colecionar tesouros em várias texturas e formatos. o mar de águas cálidas da terra de meus antepassados me recebe constantemente para banhos de sossego e paz. apesar de a praia estar quase sempre mais cheia do que eu gostaria, quando estou ali dentro consigo me desligar e me deixar levar, pra pulsar no mesmo ritmo das ondas. três crianças aparecem constantemente pra colorir meus dias, me chamam de tia, me amam como eu nem sei se mereço. toda vez que estão por perto - o grupo inteiro ou em pedaços - me pego a pensar que não posso, de jeito algum, ir pra longe deles. a possibilidade de conviver quase no dia-a-dia nos ensinou a dizer tchau sem sofrer, e, ainda assim, aproveitar qualquer cinco minutos com intensidade.
minha família, que me atura até mesmo quando, de tão chata, nem eu me aguento, converge pra cá. de tempos em tempos, nos encontramos pro exercício de amor que é a nossa convivência; esse é mais um tesouro que me bate à porta de tempos em tempos. poder conviver com eles, com os que moram aqui e com os que por aqui pousam de vez em quando é o que eu mais buscava nessa mudança e, posso dizer, encontrei mais amor neles do que eu julgava haver. sei - sinto - que sou amada.
além de tudo isso, há os pequenos tesouros do dia-a-dia, aqueles que fazem a felicidade de verdade, do tipo que se pode sentir em qualquer canto do mundo e carregar pra todo e qualquer lugar. um sorvete no juarez, receber uma ligação da minha avó pedindo um favor, a flores da Serraninha num fim-de-semana... ontem, voltando da casa da ritinha, depois de algumas horas de carinho sem fim, me senti feliz. eu sabia de onde vinha minha felicidade. sei que ela pode se repetir a qualquer momento. é só esticar a mão, alcançar o telefone, discar uns poucos números. esperar que atendam. e chegar. simples assim - como a vida, como tudo o que pode durar pra sempre.