quarta-feira, 8 de setembro de 2010

pressa

aos poucos, eu me afino com ela: a cidade se debruça sobre mim, com força e dureza de concreto. depois de alguns anos na maciez das zonas rurais, encontrar-me com a dureza da cidade, que se pretende metrópole, é quase violento. mas fomos nos tateando uma à outra, com cuidado, sutileza, sem qualquer pressa. eu ainda prefiro o ritmo lento das zonas rurais, não vejo qualquer glamour numa estrutura em que ninguém é de fato alguém. aqui, somos todos só uma multidão - não há rosto, identidade, só a massa.
me incomoda a pressa daqueles que fazem a cidade, carros cortando uns aos outros, costurando nas ruas da cidade um zig-zag eterno de desespero. na frente de uma escola, às sete da madrugada, uma mulher que acabava de deixar seu filho na escola não pode esperar que outra, com quatro crianças a tiracolo, atravesse a rua. faz menção de passar por cima e, enquanto as crianças arrastam suas mochilas de uma calçada à outra, continua a avançar, milímetro por milímetro, como numa ameaça.
eu tive vontade de lhe parar o carro, pedir-lhe que abaixasse o vidro: como é seu nome? pra onde você vai? o que te desespera tanto? tive vontade de lhe dizer que de nada adianta correr, que a vida é maior que ela, que aquele carro bonitão que ela dirigia, que a reunião pra qual ela teme se atrasar, que a aula que a criança dela vai assistir. que a pressa dela não a leva a lugar algum, tive vontade de dizer-lhe.
reajo à pressa eterna da cidade com resistência. sou adepta da lentidão, da paciência, espero que os ônibus peguem seus passageiros nos pontos da cidade, espero que carros saiam dos estacionamentos, deixo que pedestres atravessem a rua. escuto resignada as businas atrás de mim, elas não resgitram no meu cérebro o recado da pressa.
entre as opções da cidade que corre o tempo todo, eu ainda fico com a possibilidade de olhar com calma. só quem olha - e olhar requer tempo e calma - é capaz de ler a cidade e todas as suas entrelinhas. e achar, no meio de tantas palavras mal escritas, alguma rima, um esboço qualquer de poesia.

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