mais do que ignorar e seguir adiante como se não fosse comigo, a hostilidade de fortaleza me magoa, me dói fundo, me entristece. pensei que fosse me acostumar e, talvez até passar a fazer igual, como vejo muitos dos meus fazerem. mas não, ao invés disso, volto pra casa diariamente chateada porque a moça do supermercado não me respondeu o boa tarde, o carro atrás de mim buzinou porque eu deixei que um pedestre atravessasse a rua ou qualquer outra gentileza que eu tenha tentado fazer, sempre recebida pelos outros com impaciência, desconfiança ou algum outro tipo de irritação. por aqui, vamos na contramão do mundo, onde se tenta interagir mais, criar comunidades, viver de maneira o mais comunal possível. busca-se, por aí, o pessoal e íntimo - como saber de que chão saíram o pepino e o tomate que você comeu na salada do almoço, como ajudar a pintar a escola do seu filho, como se juntar pra bater fotografia junto, como usar o espaço da associação de moradores da cidade ou do bairro pra ensaiar o coral. e como mais um monte de outros exemplos e histórias que eu vivi e trago comigo.
queria me sentir capaz de multiplicar esse efeito, queria me sentir responsável também pela modificação, ainda que incipiente, da forma como se estabelecem as relações sociais entre estranhos nessa cidade que eu, afinal de contas, escolhi pra mim. queria concordar com um primo que me disse que aqui ainda se tem mais a fazer que lá, que os desafios são maiores, mais instigantes e que eu tenho mais a contribuir aqui que lá. nunca senti falta de ideais lá, nunca senti que havia pouco a fazer e nunca deixei de me sentir instigada pelos desafios - diferentes dos daqui, é claro - que apareciam no meu caminho.
na verdade, sinto como se aqui não houvessem desafios pra mim. ou melhor, como se o desafio maior aqui seja interno, pessoal, tão só meu. pouco posso contribuir, há pouco pr'eu fazer aqui simplesmente porque eu não sinto a pertença. ainda me sinto, às vesperas de fazer um ano da minha chegada, como se fosse estrangeira nessa terra que abrigou meus antepassados e que eu pensei ser minha também. eu sempre soube que não tinha raízes e, portanto, poderia me fixar em qualquer lugar que quisesse. e nunca, em nenhum dos lugares por onde andei, me senti tão forasteira.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
quinta-feira, 19 de maio de 2011
domingo, 15 de maio de 2011
dia d
é importante ter um plano, uma rota de fuga, uma via de escape. é importante que o plano seja flexível o suficiente pra não te engolir, pra não ser maior que você e virar, assim, um calabouço. é importante ter certeza de que o plano é seu, nasceu das entranhas da sua cabeça e de lá só sai se você quiser. e sai, na horinha mesma que você decidir. só você pode mexer, rearrumar, modificar, adiar, e mesmo desistir de algo que você concebeu.
eu tenho um plano, pretendo que ele seja um caminho pra que eu seja feliz. ele é meu, nasceu da minha cabeça, durante uma espera de 3 horas e meia (para abrir uma conta no banco) em que eu decidi que não ia me chatear, que não ia deixar que tudo o que tem acontecido de errado desde que eu me mudei para o brasil me desviasse do caminho que eu quero trilhar. nesse dia, no meio de uma espera que poderia ser só mais uma frustração, tracei os detalhes da minha rota de fuga, pro caso de tudo continuar do jeito que está agora, pro caso de eu continuar a sentir que não pertenço a este lugar.
o dia seguinte amanheceu azul apesar da chuva, nossa companheira constante nesses últimos meses na cidade que se diz do sol. e nem os buracos multiplicados por aí, nem a rudeza das pessoas no trato com o outro, nem a pressa eterna de quem divide comigo a cidade, nem as buzinas que eu levo o tempo todo porque não dirijo como a maioria me tiraram do sério ou acinzentaram o dia azul que eu tinha só pra mim. desde então, os dias têm sido mais azuis, a temperatura tem sido mais amena, e até a cidade tem me parecido mais bonita. não, as coisas não melhoraram. quem melhorou fui eu e isso faz, sim, toda a diferença.
eu posso até não viver aqui pro resto da minha vida. mas, enquanto eu por aqui estiver, vou estar inteira. essa sou eu.
eu tenho um plano, pretendo que ele seja um caminho pra que eu seja feliz. ele é meu, nasceu da minha cabeça, durante uma espera de 3 horas e meia (para abrir uma conta no banco) em que eu decidi que não ia me chatear, que não ia deixar que tudo o que tem acontecido de errado desde que eu me mudei para o brasil me desviasse do caminho que eu quero trilhar. nesse dia, no meio de uma espera que poderia ser só mais uma frustração, tracei os detalhes da minha rota de fuga, pro caso de tudo continuar do jeito que está agora, pro caso de eu continuar a sentir que não pertenço a este lugar.
o dia seguinte amanheceu azul apesar da chuva, nossa companheira constante nesses últimos meses na cidade que se diz do sol. e nem os buracos multiplicados por aí, nem a rudeza das pessoas no trato com o outro, nem a pressa eterna de quem divide comigo a cidade, nem as buzinas que eu levo o tempo todo porque não dirijo como a maioria me tiraram do sério ou acinzentaram o dia azul que eu tinha só pra mim. desde então, os dias têm sido mais azuis, a temperatura tem sido mais amena, e até a cidade tem me parecido mais bonita. não, as coisas não melhoraram. quem melhorou fui eu e isso faz, sim, toda a diferença.
eu posso até não viver aqui pro resto da minha vida. mas, enquanto eu por aqui estiver, vou estar inteira. essa sou eu.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
fitting
i don't fit here. that's what a realize every single day as i try to work through the system, to work with the people, to work through life as it is here in this country. i don't fit as i drive, walk, say i'm sorry and excuse me, please and thank you or even as i say good evening to the lady that opens the door every monday and weds when i arrive at the place where i take my pilates lessons. she never replies to me, she never even looks at me. and, before i'm misjudged by the previous statement, i should say that i understand the context, i understand that i'm probably the only person who looks at her, who sees her behind the desk next to the door and who acknowledges her presence. i do understand the context of many of the things i see and deal with on a daily basis. i do. but that doesn't help me accept what happens as naturally as most here do. and then, once again, i realize: i don't fit here.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
285 anos
fortaleza nasceu pra mim há trinta e poucos anos, bem na época em que eu começava a me entender por gente e aprendi que fortaleza, além de ser a terra da família da minha mãe, era a terra onde eu passava férias. nessa época fortaleza tinha pés de jambo e de carambola pelas ruas do bairro que uma dia havia sido a fazenda do meu bisavó, a estância. fortaleza pra mim era principalmente esse bairro, onde moravam meus avós, tios, primos. a gente zanzava de uma casa pra outra, exercitando a imaginação, criando brincadeiras, aprontando o que a gente podia. dessa época, lembro com clareza de quão agradável era a cidade, de árvores, de praia limpa e segura. podíamos andar na cidade! havia calçada onde pisar, o trânsito não era tão caótico e a gente não se sentia na iminência de um assalto o tempo inteiro.
é dessa época uma das minhas lembranças mais antigas, da minha avó abrindo o portão da casa da joaquim nabuco para que meu pai entrasse com o carro, a gente acabando de chegar de salvador, depois de muitas horas de estrada. foi também nessa época que eu me perdi, voltando da casa da minha tia para a da minha avó, e fui levada para o canal dez por um estranho que me achou sentada no meio-fio, chorando por estar perdida. e eu fiquei - e lembro disso - numa sala que tinha monitores de televisão do chão ao teto, enquanto esperava que alguém fosse me buscar. e como a família quase toda morava por ali, choveu gente pra me buscar e me levar de volta pra minha mãe lívida e assustada.
hoje, fortaleza completa 285 anos. e não tem mais as árvores, as calçadas, a praia limpa. a cidade não é mais pra pedestres, mas também não é agradável aos carros, que trafegam entre buzinas, buracos e todos os tipos de infração. a cidade hoje tem mais edifícios que casas. não se vê o mar, porque o paredão de prédios permite, quando muito, uma faixa estreita de verde. mas, de tudo, o que mais me intriga é o fato de que a cidade é feita por pessoas, mas não é agradável às pessoas. nós, o moradores da cidade conseguimos construir uma cidade anti-pessoa. que não permite convivência, onde não há praças, onde é cada um por si e ponto final. que vai, aos poucos, perdendo um tanto de sua beleza, de suas possibilidades de interação, de conhecer não somente os vizinhos, mas também quem mora no outro quarteirão, do outro lado da rua, no prédio ao lado.
ainda procuro a beleza da cidade que há algumas gerações acolhe os meus. e que me acolheu há uns meses, com seu modo impessoal e apressado. tento achar algo que me agrade, que me permita ver música, poesia, pintura no asfalto, no concreto, no barro. talvez eu precisa ainda me abrir para a cidade, internalizá-la como se aqui eu tivesse morado toda a vida, aceitá-la como ela é. talvez me falte ainda gostar, apesar de questionar. e lutar pra que ela volte a ser agradável como nas minhas lembranças.
é dessa época uma das minhas lembranças mais antigas, da minha avó abrindo o portão da casa da joaquim nabuco para que meu pai entrasse com o carro, a gente acabando de chegar de salvador, depois de muitas horas de estrada. foi também nessa época que eu me perdi, voltando da casa da minha tia para a da minha avó, e fui levada para o canal dez por um estranho que me achou sentada no meio-fio, chorando por estar perdida. e eu fiquei - e lembro disso - numa sala que tinha monitores de televisão do chão ao teto, enquanto esperava que alguém fosse me buscar. e como a família quase toda morava por ali, choveu gente pra me buscar e me levar de volta pra minha mãe lívida e assustada.
hoje, fortaleza completa 285 anos. e não tem mais as árvores, as calçadas, a praia limpa. a cidade não é mais pra pedestres, mas também não é agradável aos carros, que trafegam entre buzinas, buracos e todos os tipos de infração. a cidade hoje tem mais edifícios que casas. não se vê o mar, porque o paredão de prédios permite, quando muito, uma faixa estreita de verde. mas, de tudo, o que mais me intriga é o fato de que a cidade é feita por pessoas, mas não é agradável às pessoas. nós, o moradores da cidade conseguimos construir uma cidade anti-pessoa. que não permite convivência, onde não há praças, onde é cada um por si e ponto final. que vai, aos poucos, perdendo um tanto de sua beleza, de suas possibilidades de interação, de conhecer não somente os vizinhos, mas também quem mora no outro quarteirão, do outro lado da rua, no prédio ao lado.
ainda procuro a beleza da cidade que há algumas gerações acolhe os meus. e que me acolheu há uns meses, com seu modo impessoal e apressado. tento achar algo que me agrade, que me permita ver música, poesia, pintura no asfalto, no concreto, no barro. talvez eu precisa ainda me abrir para a cidade, internalizá-la como se aqui eu tivesse morado toda a vida, aceitá-la como ela é. talvez me falte ainda gostar, apesar de questionar. e lutar pra que ela volte a ser agradável como nas minhas lembranças.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
run, baby, run
"agora, você reza pra chegar aqui a tempo" - foi o que eu ouvi umas poucas horas atrás, de uma funcionária de uma órgão público federal brasileiro que, segundo muitos conhecidos, é dos poucos que funcionam direito. e enquanto ela proferia as palavras acima, tudo o que meu cérebro me mandava fazer era: run, baby, run! desde sexta-feira a minha vontade é essa. é correr pro aeroporto, é pegar o primeiro vôo que ultrapasse as fronteiras em direção ao norte que me leve a um lugar onde as coisas funcionem, onde eu volte a ser uma profissional competente, onde exista ordem, onde eu saiba o que preciso fazer pra que (quase) tudo corra tranquilo, onde eu possa andar sem medo de assalto, onde eu não sinta na boca o gosto dessa frustração eterna que me persegue já há alguns meses.
quem passar por último, que apague a luz!
quem passar por último, que apague a luz!
terça-feira, 5 de abril de 2011
de verdade
nos últimos dois meses, só tenho tido vontade de sair, fugir, ir embora, deixar pra trás. é minha cabeça que impede que a vontade vire ação, que eu compre a passagem de avião com que eu sonho dia sim, dia não e concretize as idéias mirabolantes que povoam meus pensamentos bem na hora em que, ao deitar, as luzes se apagam e eu fico só com os meus botões. há também, uma senhora de quase noventa e dois anos que quer muito que eu seja feliz, três crianças que querem que eu fique, uma casa logo depois de baturité (de onde guardo as melhores lembranças infantis) e o mar da virgem, que me banha de vez em quando.
eu ainda sorrio. mesmo quando a insatisfação exala de quase todos os meus poros, eu não desaprendo a sorrir. eu ainda olho pra frente, sigo, acordo cedo nos dias de semana. planejo atividades de trabalho, de um trabalho que vai acontecer por minha conta e risco, porque não há estrutura por aqui. porque não se pode ter uma mesa na instituição, porque não há verba e todos querem que você dê um pouco mais.
sorrir não impede que eu me decepcione diariamente com a sétima potência econômica do mundo. o país moldado pelo menino do interior de pernambuco que virou sindicalista e depois presidente não me convence, não instiga a paixão que me faria trabalhar por ele em qualquer condição que fosse.
guardo com zelo um livrinho de capa azul, que cabe em qualquer bolsa, que já me levou para outros países e foi meu passe de entrada. ele está escrito numa língua que não é minha, cita o local de nascimento com o qual tenho pouca relação. mas ah! como eu guardo aquele livrinho, como eu sorvo, a cada vez que abro aquela gaveta, o cheiro da possibilidade de ir e não voltar nunca mais, não me sentir pequena nunca mais, nunca mais achar que eu não vou conseguir. ele, o livrinho, e os aviões estacionados no pinto martins me inspiram nos dias mais abafados. não pelo calor da região - ao calor eu me acostumei rápido - mas por essa eterna sensação de quem sabe um dia.
eu ainda sorrio. mesmo quando a insatisfação exala de quase todos os meus poros, eu não desaprendo a sorrir. eu ainda olho pra frente, sigo, acordo cedo nos dias de semana. planejo atividades de trabalho, de um trabalho que vai acontecer por minha conta e risco, porque não há estrutura por aqui. porque não se pode ter uma mesa na instituição, porque não há verba e todos querem que você dê um pouco mais.
sorrir não impede que eu me decepcione diariamente com a sétima potência econômica do mundo. o país moldado pelo menino do interior de pernambuco que virou sindicalista e depois presidente não me convence, não instiga a paixão que me faria trabalhar por ele em qualquer condição que fosse.
guardo com zelo um livrinho de capa azul, que cabe em qualquer bolsa, que já me levou para outros países e foi meu passe de entrada. ele está escrito numa língua que não é minha, cita o local de nascimento com o qual tenho pouca relação. mas ah! como eu guardo aquele livrinho, como eu sorvo, a cada vez que abro aquela gaveta, o cheiro da possibilidade de ir e não voltar nunca mais, não me sentir pequena nunca mais, nunca mais achar que eu não vou conseguir. ele, o livrinho, e os aviões estacionados no pinto martins me inspiram nos dias mais abafados. não pelo calor da região - ao calor eu me acostumei rápido - mas por essa eterna sensação de quem sabe um dia.
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